Cotidiano

Soldado ficou na PM por meio de liminar

Policial militar Felipe Quadros foi submetido à avaliação de recuperação no decorrer do curso de formação de soldados da PM

Suspeita até então negada pelo comandante da Polícia Militar de Roraima (PMRR), coronel Dagoberto Gonçalves, foi confirmada pelo titular da corregedoria da PM, coronel Egberto Lima, em entrevista à Folha. Ele disse que o soldado Felipe Quadros, acusado do assassinato de três pessoas, somente ingressou na corporação por meio de uma liminar concedida pela Justiça.

Segundo informações contidas no Diário Oficial do Estado, o policial militar, que passou no concurso público da PM na 446º posição, teve que ser submetido, no decorrer do curso, à avaliação de recuperação prevista no regimento interno da Academia de Polícia Integrada Coronel Santiago (APICS).

O soldado concluiu o curso, que teve duração total de 778 horas, com matriz curricular integralizada, no dia 26 de junho de 2014. Quadros ficou entre os últimos colocados, ocupando a 204ª posição entre 226 PMs, com uma nota média de 8,2.

Para disputar o cargo de Soldado PM 2ª Classe do Quadro de Praças Combatentes de Policial Militar (QPCPM), o policial também teve que passar por uma Avaliação Psicológica (3ª etapa) dos candidatos “recomendados”.  Assim como etapas anteriores, Felipe Quadros ficou entre os últimos colocados, na 164ª posição, no entanto, teve o quadro clínico recomendado para entrar na corporação.

O corregedor da PM disse que não soube especificar em que etapa o soldado havia sido reprovado, mas confirmou que, para assumir o cargo, Quadros entrou com um pedido de liminar. “Não sei dizer onde ele reprovou, se foi na investigação social ou nas provas da academia, só posso dizer que houve a situação em que, para poder ser ingresso na PM e assumir o cargo de soldado, a Justiça concedeu a liminar”, disse.

O coronel informou que, após tomar conhecimento da situação, a Corregedoria se manifestou no sentido de o Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) não conceder a liminar ao soldado. “Lógico que a justiça não poderia imaginar que ele faria isso, mas uma contra-indicação deveria ser tomada com uma seriedade maior, porque especialista conhece especialista”, afirmou.

PREVENTIVA – O corregedor da PM explicou que, após se entregar na Corregedoria e prestar depoimento sobre o ocorrido horas antes, o soldado responderia o processo em liberdade por ter se apresentado espontaneamente. “Para evitar que isso acontecesse, o Comando-Geral acionou a juíza de plantão para que lavrasse a prisão preventiva dele. Para nós, era uma questão de honra”, frisou.

Lima disse ainda, que solicitou ao Comando para que fosse feito o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) a fim de avaliar a conduta do PM e uma possível exclusão da Corporação. “Ele vai apresentar as provas dele, se não conseguir defesa, será excluído da Corporação, até porque estava em estágio probatório”, frisou. (L.G.C)

Colegas afirmam que policial homicida já era problemático

Policiais militares que trabalharam com o soldado Felipe Quadros afirmaram que o jovem tinha um perfil agressivo fora da corporação, apesar de quase nunca demonstrar alterações em serviço. Além do histórico de agressões contra a ex-namorada, o PM teria se envolvido em brigas em festas e disparado vários tiros contra o portão da casa de familiares da antiga companheira.

Segundo um colega de Felipe, que preferiu não se identificar, ele era vislumbrado com a profissão e, por várias vezes, cometeu abusos de autoridade. “Ele sempre andava armado. Em uma ocasião, efetuou vários disparos para o alto em uma festa numa casa noturna. O dono pediu para que ele nunca mais voltasse lá”, comentou.

O soldado, que já havia sido denunciado na corregedoria da Polícia Militar por violência doméstica cometida contra a ex-namorada, que acabou retirando a denúncia dias depois, também “brincava” com a arma dentro da corporação. “Ele chegou a ser repreendido por estar fazendo disparos com a arma dentro da corporação, sem nenhuma necessidade”, disse o colega.

Meses antes de cometer os três assassinatos e uma tentativa de homicídio, o policial também teria dado tiros com uma pistola ponto 40 no portão da casa de um tio da ex-companheira. “Há dois meses ele foi à casa do tio da ex-namorada e disparou várias vezes. Na ocasião, comuniquei o ocorrido para o comando-geral e disse para o tio denunciar. O fato é que já havia um histórico de violência por parte desse soldado e a Corregedoria sabia”, frisou outro PM.

Soldado era estudante da UFRR e reprovou em concurso municipal

O soldado da PM Felipe Gabriel Quadros Martins, de 22 anos, nasceu e se criou em Boa Vista. Em sua página em uma rede social, onde tem recebido várias ameaças de internautas, indignados com o crime bárbaro que ele cometeu, o PM parecia demonstrar tranquilidade.

Entre fotos de festas, uma inclusive postada horas antes do crime, onde o PM estava com a atual namorada, Surinami Bastos, em um bar, Felipe postava frases para a ex-namoradas. Em uma delas, o policial escreveu: “Eu quero é você, eu amo só você, e o resto tanto faz…”

O soldado, que cursava licenciatura no curso de Biologia na Universidade Federal de Roraima (UFRR), também tentou ingressar, sem sucesso, em 2012, no quadro de agentes comunitários de saúde da Prefeitura de Boa Vista, onde ficou na 316ª posição.

PM não tinha histórico de denúncias, diz corregedor

O corregedor da Polícia Militar, coronel Egberto Lima, afirmou que o soldado não tinha histórico de denúncias na corregedoria. “A única que tivemos foi feita pela ex-namorada por violência doméstica. Abrimos sindicância para apurar, mas ela quis retirar a denúncia”, disse.

O coronel relatou que, mesmo após a desistência da ex-companheira, a Corregedoria decidiu continuar com o procedimento. “O oficial encarregado, à época, entendeu que a denúncia era improcedente, mas verificamos o procedimento e vimos que não era. A questão é que esses procedimentos levam tempo para ser analisados e contamos com pouco efetivo na Corregedoria”, explicou.

Lima disse não ter conhecimento sobre os outros casos envolvendo o PM. “A Corregedoria analisa o ocorrido desde que seja denunciado por meio de veículo oficial. As coisas têm que ser feitas pelo que diz a Constituição. Então, eu não poderia dar andamentos em processos se as vítimas não quiseram prosseguir”, frisou.