Casos do passado e os exemplos de arranjos inconfessáveis em obras públicas
Jessé Souza*
Não faz muito tempo, na década passada, uma grande empreiteira abandonou a obra de restauração de um trecho da BR-174 norte alegando que não suportava mais pedidos de propina, afirmando que os intermediadores do recurso e da indicação da obra não paravam de achacar a empresa. A informação foi divulgada aqui mesmo, pela Folha, mas não provocou qualquer indignação ou foi motivo de investigação.
Tempos mais atrás, todo aquele quarteirão que compreende o Mercado do Buritis, a partir da Avenida Mário Homem de Melo, até um posto de gasolina na Avenida Ataíde Teive, na zona Oeste de Boa Vista, alagava durante o inverno mesmo o local tendo recebido uma obra de drenagem, na então administração de Ottomar Pinto, quando descobriu-se que a empreiteira havia usado material subdimensionado a fim de “economizar” dinheiro para que possivelmente sobrasse mais para o pagamento de propina. A obra teve que ser refeita.
Existem inúmeros outros casos de obras públicas feitas com material de baixa qualidade ou mesmo paralisadas porque a corrupção engoliu os recursos a ponto de se tornaram insuficientes para concluir a construção. Se houvesse um levantamento sério de obras inacabadas, por todo o Estado, o leitor iria se surpreender com a grande extensão desse problema. Isso sem contar com aquelas recém-inauguradas, mas que logo apresentam sérios problemas.
O caso clássico e bem atual é o da construção do que se convencionou a chamar de “novo HGR”, que nada mais é do que um anexo do Hospital Geral de Roraima, obra iniciada em 2013, cujo valor divulgado pelo próprio governo é de um total de R$49 milhões, mas que apresenta problemas que até hoje persistem durante as chuvas mais fortes, com teto desabando e infiltrações, além do recente caso de sangue jorrando do teto do 1º piso.
O governo Denarium alegou ter recebido um prédio inacabado, faltando itens indispensáveis para fazer funcionar toda a estrutura de quatro andares, composta por 20 leitos de enfermaria, 40 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 10 salas de centro cirúrgico. Por isso prolongou as obras até este ano, com inauguração em março, depois de remarcadas dez datas para a entrega ao público.
Pelo que se vê, a construção do novo HGR sofreu os mesmos males que acometem obras públicas ao longo dos seguidos governos, onde a qualidade das construções é comprometida pelos arranjos inconfessáveis, mas de conhecimento de todos, especialmente na Saúde estadual, alvo de gravíssimas denúncias feitas já pelo primeiro secretário da atual gestão, que se demitiu narrando um antro de corrupção naquela pasta. Foram mais de dez trocas de secretário, inclusive um deles foi alvo de uma operação da Polícia Federal.
Então, o que se espera dessa situação, é que isso seja apurado de forma veemente para que se comece a punir aqueles responsáveis por obras inacabadas ou que foram entregues com problemas que jamais poderiam apresentar, especialmente de um importante hospital cujo valor milionário não condiz com que aí está. Não se pode mais tolerar isso sob hipótese alguma, no momento em que os políticos falam em combater a corrupção e a ineficiência da máquina pública.
Como este problema é público e notório, inclusive resultando numa diligência do Ministério Público de Roraima (MPRR) no caso do sangue jorrando do teto, então é hora de os órgãos de controle começarem a se preocupar com a reforma do Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazeth, cuja lentidão só aumenta o sofrimento de mães que vão dar à luz numa maternidade improvisada, funcionando debaixo de tendas com teto também desabando em dias de chuva.
É inconcebível que uma obra daquele porte do novo HGR, e da importância que ele representa para a melhoria do atendimento na saúde pública, não tenha passado por uma rigorosa inspeção e fiscalização. Então, para que não se repitam esses erros, que só castigam ainda mais a população, é hora de agir para averiguar o que se passa na nova maternidade. Ou vão deixar para descobrir somente quando o teto desabar no próximo inverno?!
*Colunista