Zumbis filosóficos
João Paulo M Araujo
Professor no curso de filosofia da UERR
O nosso imaginário hegemônico acerca dos zumbis é representado pela ideia de uma criatura morta que se comporta (embora com bastante dificuldade) como se estivesse viva. Nesse sentido, é comum nos referirmos aos zumbis como mortos-vivos. Esse imaginário é encontrado na literatura, nos jogos de rpgs e foi amplamente disseminado no cinema, muito embora, neste último caso, o ideário comportamental do zumbi tenha sido ligeiramente modificado por algumas produções cinematográficas. No sentido filosófico, o zumbi não tem muito em comum com as representações clássicas de horror em torno da figura do zumbi. Pelo contrário, o zumbi filosófico aparenta e se comporta de maneira idêntica a um ser humano vivo. Poderíamos até afirmar que o zumbi filosófico seria uma espécie de autômato humano. Entretanto, há um elemento de aproximação entre o zumbi à moda clássica e o zumbi filosófico, a saber: ambos não possuem consciência.
Essa ideia segundo a qual zumbis não possuem consciência inspirou alguns filósofos a desenvolverem argumentos filosóficos com o objetivo de elaborar uma defesa da irredutibilidade da consciência fenomenal e, por conseguinte, criticar o fisicalismo redutivo na filosofia da mente contemporânea. O termo zumbi foi popularizado por David Chalmers (1996) em seu livro The Conscious Mind na primeira secção do capítulo 4, um dos locais onde ele elabora um argumento contra o materialismo. Antes disso, autores como Thomas Nagel (1970) e Robert Kirk (1974) já haviam discutido sobre zumbis metafísicos no cenário filosófico dos anos 70. O argumento dos zumbis, como ficou conhecido, tem por objetivo mostrar que zumbis são metafisicamente possíveis. A razão por detrás do argumento dos zumbis é apresentar uma alternativa ao materialismo reducionista focando no problema da consciência e defendendo um dualismo naturalista ou dualismo de propriedades como também é conhecido.
Mas do que se trata esse dualismo? Em termos metafísicos, nos é conhecido o dualismo de substâncias de Descartes. René Descartes (1641) afirmou em suas Meditações que existem duas substâncias, uma física (res extensa) e outra mental (res cogitans). Ambas substâncias possuem propriedades distintas. Para elucidar alguns de seus aspectos, a coisa física, por exemplo, é de natureza espacial sendo, portanto, infinitamente divisível. Em contrapartida, a coisa pensante, não ocupa espaço e não pode ser divisível. Em outras palavras, eu não posso dividir um pensamento ou ideia da mesma forma que divido um pedaço de bolo.
Com o desenvolvimento das ciências naturais, em particular, das neurociências cognitivas, ao menos desde o século XX, dificilmente um filósofo defenderia um dualismo de substância aos moldes cartesianos, mesmo sabendo que o problema mente-corpo é essencialmente um problema cartesiano. O dualismo agora passaria a atuar como um dualismo de propriedades, sendo esse mesmo dualismo, numa certa medida, um tipo de naturalismo dentre tantos matizes que esse termo comporta. Qual a diferença entre esses tipos de dualismo, afinal? É verdade que todo dualismo de substância implica em um dualismo de propriedades, mas não é o caso que o dualismo de propriedades implica num dualismo de substâncias. Isso significa dizer que propriedades mentais não são entidades metafísicas cuja a existência não depende de forma alguma de condições físicas. Há pressuposto no dualismo de substância uma defesa da imortalidade da alma, esta última identificada com a própria coisa pensante (res cogitans). Portanto, com a morte física, a alma não deixaria de existir. No dualismo de propriedades, as propriedades mentais (apesar de não serem idênticas) são dependentes das condições físicas existentes no cérebro humano de tal forma que com a morte do cérebro, as propriedades mentais, juntamente com o todo da consciência fenomenal, deixariam de existir. Grosso modo, seria isso o que distingue um dualismo de substância de um dualismo de propriedades.
Mas voltemos aos zumbis filosóficos. Vamos tentar entender o tipo de argumento elaborado por Chalmers (1996) para demonstrar que a consciência não pode ser explicada ou identificada em termos ontológicos como nas teorias materialistas. Isso, por sua vez, implicaria em afirmar que a visão materialista da mente e da consciência seria falsa. De antemão, vale ressaltar que o argumento dos zumbis de Chalmers pode ser entendido como um tipo de argumento modal que apela, numa certa medida, para uma semântica de mundos possíveis (ver Kripke (1972) e Putnam (1975)), imaginando uma situação na qual existisse uma terra gêmea com as mesmas características de nosso planeta, exceto por um detalhe, as pessoas da outra terra não possuem experiências conscientes. De acordo com Chalmers (1996), “há características no mundo além das características físicas”; por si só, esta já seria uma razão para não endossar uma visão materialista da mente e da consciência. O argumento de Chalmers (1996, pág. 123) segue da seguinte maneira:
1. Em nosso mundo, existem experiências conscientes.
2. Existe um mundo logicamente possível fisicamente idêntico ao nosso, em que os fatos positivos sobre a consciência em nosso mundo não se sustentam.
3. Portanto, fatos sobre a consciência são outros fatos sobre o nosso mundo, isto é, para além dos fatos físicos.
4. Dessa forma, o materialismo é falso.
Segundo Chalmers, se a existência de um mundo zumbi fisicamente idêntico ao nosso mundo é logicamente possível, então, somos forçados a considerar que a presença da consciência é um fato a mais em nosso mundo natural e que não pode ser explicado pelos fatos físicos. Em outras palavras, “o caráter de nosso mundo não se esgota no caráter fornecido pelos fatos físicos; há um caráter extra devido a presença da consciência” (CHALMERS, 1996, p. 123). De um lado, os fatos físicos seriam apenas uma medida da totalidade de fatos que o nosso universo possui, de um outro, nossa consciência com todo o conjunto de estados mentais que, por seu turno, resistem a uma mera descrição fisicalista e reducionista de fenômenos. Uma outra perspectiva semelhante ao argumento dos zumbis que Chalmers considera é a do espectro invertido. A ideia consiste em imaginar um mundo fisicamente idêntico ao nosso, mas com características da experiência consciente que não se sustentam, isto é, com fatos fenomenológicos completamente heterodoxos. Pensando em termos de c
ores, poderíamos tomar como exemplo que nessa outra terra gêmea a experiência consciente que as pessoas teriam da cor vermelha é o que em nosso mundo experimentamos como verde. Aqui, cabe chamar atenção que não se trata de uma questão de linguagem, isto é, do que se diz da coisa (De dicto), mas sim sobre a própria coisa (De re). E mais uma vez, segue-se, segundo Chalmers (1996, p. 124) que “os fatos sobre a experiência consciente em nosso mundo são outros fatos além dos fatos físicos, e que o materialismo é falso”.
Portanto, o fracasso do materialismo implica num dualismo sobre o que significa falar em mente e o que significa falar em cérebro. Intuitivamente, isso se revela muito claro em nosso vocabulário para falar dos termos mentais e físicos. Todas as vezes que alguém nos fala a palavra “mente”, representamos essa palavra ou conceito como algo de ordem representacional e, portanto, não palpável, introspectivo, etc. Numa outra via, quando alguém nos fala a palavra “cérebro” já temos em mente algo de ordem material e, portanto, palpável, manipulável, etc. Nesse sentido, parece que as intuições cartesianas elaboradas no século XVII (com todas as ressalvas possíveis) ainda permanecem como um limite no horizonte de nossas investigações filosóficas acerca do mental e do físico.
Até quando?
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Pena que todas as pessoas que sabem como governar o país estejam ocupadas a dirigir táxis ou cortar cabelos”. (George Burns)
Já falei por várias vezes, de minhas experiências no ambiente político. Já assisti a inúmeras tolices ditas por políticos, tanto em campanhas quanto no trabalho. Mas nunca tinha me decepcionado tanto quanto me decepcionei no último debate com os candidatos à Presidência da República. Confesso que em toda minha longa experiência nunca tinha ouvido um candidato perguntar num debate, ao adversário, se ele tinha medo de ir para o inferno. E olha que o perguntador nem era motorista de táxi, nem barbeiro.
Mas vamos mudar o rumo da prosa. Você não imagina o que já ouvi, nas discussões políticas. Assisti a várias discussões entre Café Filho e alguns dos seus adversários. Uma época em que era governador do Rio Grande do Norte, o político mossoroense, Dix-Sept Rosado Maia. Conhecíamos e nos respeitávamos. O Dix-Set Rosado faleceu em 1951, no mesmo esquema de acidentes aéreos, nunca explicados. Lembro-me da convulsão na cidade de Natal, naquele dia. Era um dia chuvoso e a cidade entrou em desespero. Foi a única vez que vi meu pai emocionado.
Ainda em Natal ouvi briguinhas comadrescas entre Café Filho e alguns dos seus adversários, quando ele era candidato a Vice-Presidente do Getúlio Vargas. Muitos anos depois, já em São Paulo, vivi momentos importantíssimos, e que me enriqueceram na capacidade de observar, sem me influenciar. Participei de churrascos com o Jânio Quadros, na residência do Vereador Tarcílio Bernardos, em São Miguel Paulista. Foi ali que o Deputado Emílio Carlos, que estava participando do encontro, teve que sair mais cedo e na saída tocou no meu ombro de falou: “Afonso… são briguinhas comadrescas”. Ele se referia à euforia do Jânio Quadros, lá fora, no churrasco, falava gritando, sobre Adhemar de Barros. Adhemar de Barros e Jânio Quadros formavam uma dupla no estilo Bolsonaro e Lula. A coisa vem de muito longe e até quando iremos suportar as mesmices?
Vamos ser mais rigorosos conosco mesmo. Ainda temos muito a aprender sobre política, para podermos respeitá-la e sermos respeitados. Ainda não nos respeitam, quando continuam nos enganando, na ilusão de que somos cidadãos. Ainda temos que nos prepararmos para merecer a cidadania. Porque ainda não temos a liberdade no voto, embora pensemos que temos. Não seremos cidadãos enquanto não tivermos o voto facultativo. E não o teremos enquanto não nos educarem para merecê-lo. E pelo que vejo, ninguém está interessado nisso. Ou por desrespeito, ou por ignorância. Até quando? Pense nisso.
99121-1460