Os povos indígenas são os grandes perdedores com o resultado das urnas
Jessé Souza*
Neste 05 de outubro, o Estado de Roraima celebra seus 34 anos de criação. Porém, não é sensato ficar conjecturando projeções e cenários otimistas, enquanto o resultado das eleições aponta um cenário negativo para os povos indígenas de Roraima, os quais foram os grandes perdedores com o resultado das urnas, decidido pelo povo. As comunidades indígenas perderam não apenas sua única representante no Congresso Nacional como também não tiveram nenhum defensor de seus direitos eleito para os legislativos.
Apesar de ser a sexta mais votada para a Câmara, a deputada federal Joenia Wapichana (Rede) foi derrotada mediante a nova regra eleitoral que impôs novos cálculos para partidos ou federações na disputa por vagas, cujo quociente partidário fez a diferença nestas eleições. Com a nova legislação, as vagas para deputados estaduais e federais são preenchidas de acordo com o cálculo do Quociente Eleitoral (QE) e do Quociente Partidário (QP), além da soma das sobras.
São esses cálculos dos votos que indicam quantas vagas determinado partido ou federação tem direito. Então, mesmo que um candidato ou candidata tenha votação expressiva, mas se o partido ou federação não ganhar a vaga dentro desses cálculos, esse candidato ou candidata não é eleito (a). E foi assim que Joenia Wapichana ficou de fora.
Na verdade, o mandato coletivo indígena saiu para a reeleição ciente de que seria muito mais difícil, pois seu partido já largou enfraquecido com a saída do ex-vereador Linoberg Almeida, o qual achou que poderia alçar voos mais altos, longe do ninho da esquerda, deslumbrado com os 15.775 votos na disputa pela Prefeitura de Boa Vista, o terceiro mais votado, colocando no bolso inclusive o grupo governista, ao qual ele decidiu se aninhar nestas eleições. E assim serviu de escada para eleger o Zé Cathedral como novo deputado federal.
Agora, sem nenhum representante no Congresso, nem sequer com um parlamentar ou governo simpático aos seus direitos, haverá um caminho mais difícil a trilhar na luta contra o garimpo ilegal e em defesa de seus territórios, da saúde, da educação, da regulamentação de profissões exclusivas destinadas a indígenas e do meio ambiente, além de outras questões e batalhas travadas contra as bancadas do BBB (da Bala, da Bíblia e do Boi) em nível nacional.
O alento é que o PSOL conseguiu eleger duas mulheres indígenas para a Câmara Federal, um salto importante, mesmo perdendo Joenia por Roraima. A coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), Sônia Guajajara, que é formada em Letras e Enfermagem, foi eleita por São Paulo. A professora indígena Célia Xakriabá, uma ativista da causa, foi eleita em Minas Gerais. Elas prometeram que não vão se esquecer da luta dos povos indígenas de Roraima, da forma que Joenia não esqueceu os demais povos de todos os estados.
Outro grande alento é que o empresário de garimpo Rodrigo Cataratas não conseguiu se eleger, embora tenha mostrado flagrante poderio econômico. Investigado pela Polícia Federal por dar apoio ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, sua derrota mostrou que o apoio ao garimpo é forte na logística, na articulação política e no poderio econômico, mas não o suficiente no seio do povo, em que boa parte das pessoas tem noção do grande perigo e desgraça que é o garimpo ilegal hoje dominado pelo crime organizado.
O que preocupou também as entidades indígenas foi a eleição da empresária Helena da Asatur como deputada federal pelo MDB. Ela é sócia de uma empresa de táxi aéreo que vem aparecendo no noticiário da imprensa nacional, desde 2020, como uma das investigadas por manter contratos com o Governo Federal para dar apoio à saúde indígena e, ao mesmo tempo, voava para garimpos ilegais na Terra Yanomami, conforme investigações da Polícia Federal.
Então, não é possível imaginar um bom cenário a partir do próximo ano quando se trata de questão indígena x garimpo, já que a única parlamentar que mantém uma batalha em favor dos povos indígenas e contra o garimpo ilegal, no Congresso, é Joenia Wapichana. Por isso se trata de uma perda irrecuperável, cujos reflexos serão sentidos por um bom período não apenas no que diz respeito às pautas em favor dos indígenas, mas dos direitos das minorias em geral.
E ainda teremos uma disputa em 2º turno para escolher o presidente da República que também influenciará decisivamente no novo cenário que teremos a partir de 2023. Os indicativos não são nada bons, por isso o dia do aniversário do Estado não traz nenhum motivo de celebração para os povos indígenas, que é uma grande parcela da população roraimense.
*Colunista