Outra lei derrubada e a necessidade de se enfrentar o avanço da ilegalidade
Jessé Souza*
Não precisava de uma bola de cristal ou ser especialista em legislação para ter previsto que o Supremo Tribunal Federal (STF), cedo ou tarde, iria suspender a lei estadual que proibia policiais e agentes ambientais do Estado de destruírem veículos, máquinas e outros bens durante operações contra o garimpo ilegal, conforme havia previsto esta coluna desde a tramitação do projeto.
Na quinta-feira passada, 06, o ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos da Lei Estadual 1.701/2022, a qual foi sancionada em julho pelo governador Antonio Denarium (PP), com a decisão festejada por garimpeiros em praça pública, em frente ao Palácio do Governo, uma vez que o objetivo da lei era proteger equipamentos de garimpagem. A lei ainda mandava devolver os bens apreendidos a título de fiel depositário.
A ação contra a lei estadual foi ajuizada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, sob o argumento de afronta ao artigo 225 da Constituição Federal, que trata do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e invasão da competência da União para legislar sobre normas gerais de proteção do meio ambiente.
Quando o projeto ainda tramitava na Assembleia Legislativa de Roraima, o Ministério Público Federal (MPF) já havia se posicionado afirmando que o projeto ia contra a legislação federal que ampara as ações das forças policiais e órgãos ambientais para destruir ou inutilizar artefatos e maquinários de garimpo, com base na Lei 9.605/1998 e no Decreto 6.514/2008, os quais haviam sido reconhecidos pelo STF como imprescindíveis para o enfrentamento do garimpo ilegal.
Esta coluna comentou esta posição do MPF no artigo publicado em 30 de junho, sob o título “Mais um projeto de lei que tenta dar aspecto de legalidade a um crime”, momento em que foi afirmado que qualquer estagiário de Direito poderia logo desconfiar da ilegalidade e dos sérios reflexos que uma legislação com tal teor iria provocar.
A lei havia sido sancionada mesmo depois de o STF ter derrubado a lei estadual do garimpo, que liberava a garimpagem inclusive com uso de mercúrio, justamente devido a sua inconstitucionalidade porque legislava sobre uma matéria de exclusiva competência da União. Mesmo assim, a Assembleia Legislativa de Roraima voltou aprovar outro projeto que também visava agradar eleitoralmente o movimento pró-garimpo que defende a exploração ilegal de ouro em terras indígenas.
Novamente, precisa ser explicado que as decisões do STF não se tratam de uma perseguição a garimpeiros ou um ofensiva deliberada contra o garimpo, e sim o cumprimento do dever para se fazer valer a legislação brasileira, a qual não permite garimpo em terras indígenas ou qualquer tipo de mineração fora de terras indígenas sem autorização legal da União, atendendo rígidos critérios ambientais.
É necessário que as autoridades entendam o importante papel de minar as forças da organização do crime em garimpos ilegais que desafiam o poder constituído e a própria soberania do país, como foi visto no caso do helicóptero que saiu da Venezuela com cinco corpos em decomposição de garimpeiros assassinados naquele país, içados em uma rede, cujo voo atravessou a fronteira até uma região de garimpo em Mucajaí, sem qualquer autorização e desafinado as autoridades brasileiras.
É importante ressaltar que, dias antes da decisão do STF, um grupo de garimpeiros que age como uma milícia fortemente armada na Terra Indígena Yanomami, abriu fogo contra um grupo de cinco indígenas, matando um líder Yanomami e deixando baleado um adolescente de 15 anos, na comunidade Napolepi. Os garimpeiros chegaram de surpresa em duas embarcações decididos a uma chacina como vingança porque os indígenas estavam denunciando a presença de bebidas alcoólicas na comunidade.
Outro caso de violência ocorreu no fim do mês passado, desta vez na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em uma área pressionada pelo garimpo. Um tuxaua, líder da Comunidade Mutum, teve sua casa incendiada por represália às ações fiscalizatórias mantidas em uma barreira que visa coibir o garimpo ilegal, bebidas alcóolicas e drogas na região da Serras.
Há denúncias de que por lá há um histórico de ataques às lideranças por parte de não indígenas que defendem o garimpo ilegal, inclusive um deles seria foragido da Justiça e que faria parte de uma facção criminosa, conforme nota divulgada na imprensa. Como se pode notar, o garimpo ilegal acaba sendo porta de entrada para outros crimes, incluindo ataques a lideranças indígenas.
Daí a necessidade de se fazer valer a lei, sob pena de as autoridades permitirem ou serem coniventes com a instalação de um poder paralelo a partir dos garimpos ilegais. Os fatos do passado e os mais recentes comprovam isso.
*Colunista