Medo de comer cachorro e o delírio que joga no lixo o patrimônio político da direita
Jessé Souza*
O momento crítico pelo qual o Brasil está passando, quando setores bolsonaristas intensificam um movimento antidemocrático, ecoando gritos de intervenção militar por não aceitarem o resultado das eleições, precisa ser tratado com muita atenção, especialmente porque ficou evidente que floresceu um terreno fértil até demais para um extremismo que beira a insanidade.
Os vídeos compartilhados nas redes sociais mostram manifestante bloqueador de estrada grudado no capô de caminhão, outro que pulou de uma ponte gritando por uma intervenção do Exército, uma mulher em puro delírio por não aceitar o resultado das eleições, outra aos gritos convocando as pessoas a se mobilizarem e grupos em marcha em frente a quartéis do Exército como se fossem soldadinhos robôs.
Houve até um homem queimando seu próprio carro, em via pública, narrando que era o único veículo que tinha para ele trabalhar, desafiando outros a fazerem o mesmo e afirmando que antes havia rasgado e queimado seu título de eleitor por indignação ao resultado do pleito. Isso sem contar os vários vídeos de grupos comemorando notícias falsas, eufóricos como se fosse um gol de fim de Copa do Mundo, sobre confirmação de fraude nas eleições, prisão do ministro Alexandre de Moraes e decretação de estado de sítio.
São cenas de um delírio coletivo que contaminam aqueles que vieram sendo preparados a temer a volta do PT como início da venezuelização do Brasil, onde os brasileiros sob o governo de esquerda iriam começar a atacar cachorro no meio da rua para comer; ou envenenados por outras sandices pregadas ao longo dos últimos anos, como “mamadeira fálica” (os entendedores entenderão), banheiro unissex, kit gay, fechamento de igrejas e fim da família tradicional.
Uma análise lúcida do resultado das eleições deste ano indica que, embora o presidente Jair Bolsonaro não tenha sido reeleito, a direita se firmou no país, com a eleição e reeleição de expressões bolsonaristas para o Congresso e para comandar os governos estaduais, o que significa um peso muito grande para fazer oposição ao governo Lula e, se houver inteligência, construir a volta ao poder em breve.
Porém, estão jogando tudo isso na lata do lixo, mostrando que a democracia nunca foi a principal bandeira de muitos bolsonaristas, os quais padecem explicitamente da falta de formação política, com a deturpação da realidade para se estabelecerem como um poder ditador, que não aceita divergências e em defesa de seus interesses enviesados.
Desde o início, começou um vale-tudo em nome da “liberdade de expressão”, em que se faz questão de confundir com “liberdade de agressão”, seguidas de incisivas mensagens de ameaças de golpe e ataques constates às instituições democráticas, cujo campo de batalha extrapolou as redes sociais para se disseminar nos poderosos grupos de WhatsApp, onde mentira vira “verdade” em segundos.
O movimento antidemocrático convocado por empresários bolsonaristas, especialmente do agronegócio, planeja fechar o comércio nesta segunda-feira como uma tática mais agressiva para reforçar o pedido de intervenção militar, apavorando e prejudicando ainda mais a sociedade. Estão trocando todo o patrimônio político que a direita construiu até aqui por uma alucinação momentânea.
A História vai cobrar, e o tempo nunca falha. Por enquanto, o que há de ser feito compete à Justiça, para que se faça o mesmo o que ocorreu nos Estados Unidos, onde golpistas invasores do Capitólio começaram a ser denunciados e julgados, caminhando a uma punição exemplar para que nunca mais ousem desafiar os poderes constituídos e colocar a democracia em xeque.
*Colunista