Em tempo de COP 27, o Brasil já sabe qual é sua prioridade na política ambiental
Jessé Souza*
Enquanto os olhos do mundo estão voltados para Sharm El Sheikh, no Egito, onde ocorre a 27ª Conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 27, é de conhecimento de todos que o grande desafio do Brasil na política ambiental é frear o garimpo ilegal nas terras indígenas, em especial na Terra Yanomami, em Roraima.
O relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, divulgado em abril deste ano pelo Instituto Socioambiental (ISA), já apontava que de 2020 a 2021, o garimpo ilegal havia avançado 46% naquela terra indígena diante da imobilidade do Governo Federal.
Os dados ainda mostram que, em dezembro de 2021, aproximadamente 3,2 mil hectares da TIY haviam sido devastados pelos garimpeiros, afetando diretamente 273 comunidades habitadas por mais de 16.000 pessoas, representando 56% da população indígena. No total, são mais de 350 comunidades indígenas com uma população de 29 mil pessoas. É um ataque orquestrado por grandes empresários garimpeiros que movimentam cifras bilionárias, conforme vem destacando esta coluna.
Em um vídeo divulgado em forma de reivindicação ao presidente eleito, as lideranças Davi Kopenawa, José Yanomami e Aristeu Yanomami pediram socorro para que seu povo possa continuar vivo e com saúde, ao estimar que existam pelo menos 20 mil garimpeiros atuando ilegalmente atualmente, um número que aumentou de forma expressiva na gestão do atual presidente Jair Bolsonaro.
Enquanto houve total incentivo ao garimpo ilegal, foi reduzido o atendimento à saúde indígena pelo governo, largando à própria sorte os 37 polos-base, 78 Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSI) e uma Casa de Saúde Indígena (Casai Yanomami). Como 98% desses centros de saúde são acessíveis exclusivamente por aeronave, desde 2019 não houve licitação para a prestação do serviço de transporte aéreo.
Enquanto isso, há uma grande movimentação das pistas de pouso clandestinas na terra indígena, muitas ao lado das comunidades indígenas, sem qualquer fiscalização ou repressão, operando diariamente com o transporte ilegal de garimpeiros e de todos os tipos de suprimentos de apoio ao garimpo ilegal.
Os fatos reforçam o grande desafio do próximo governo em frear a escalada do garimpo ilegal que só aumentou nos últimos quatro anos. Não se pode falar em regularizar a mineração no país enquanto não for minado o poder da ilegalidade que comanda a extração ilegal de ouro especialmente na Amazônia.
Um poder paralelo se estruturou na mesma medida em que o governo perdeu todas as suas forças para fazer frente a esta nova realidade, ainda que a Polícia Federal tenha atuado fortemente para investigar as ações dos empresários do garimpo em terra indígena.
O poderio econômico e político é muito forte e organizado no país, o que tem sido decisivo para que o governo tenha permitido chegar ao que vem sendo apontado nas investigações policiais e nos relatórios das entidades de defesa dos povos indígenas.
*Colunista