Jessé Souza

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A raposa, as uvas e a dissociação cognitiva: o brasileiro precisa estudar e ser estudado

Jessé Souza*

Diante das cenas diárias que estamos presenciando no cenário político, é possível concluir que o brasileiro, além de precisar estudar mais, também precisa ser estudado para que entendamos o que realmente aconteceu. A começar pelos delírios coletivos que passaram a ser vistos nos protestos em frentes aos quartéis do Exército por quase todo o país.

No entanto, antes de os estudiosos caírem em campo, é possível arriscar uma explicação à luz da Psicologia, que fornece  explicações sobre a dissociação cognitiva que está acometendo muitas pessoas, a qual diz respeito à incapacidade do ser humano de viver em contradição, especialmente depois da popularização da internet, que ampliou a voz de quem era invisível para a sociedade.

Porém, antes de chegar a este comportamento pós-eleitoral, de não aceitar o resultado das urnas, as pessoas começaram a divergir  nas redes sociais com a polarização entre esquerda x direita, em que o extremismo de pensamento impediu as pessoas de chegarem a um meio termo, cada um acreditando estar com a verdade, cada qual com suas interpretações.

Então vieram as fake news, compartilhadas aos montes e em velocidade surpreendente, funcionando para as pessoas mais incautas como tempestades de ideias que ajudaram a reforçar suas crenças. Foi aí que a repetição de uma enxurrada de mentiras passou a funcionar também como uma lavagem cerebral.

Logo, a realidade deixou de importar para estas pessoas, passando a ganhar força para elas somente as interpretações da realidade que reforçam suas crenças. Foi aí que a dissociação cognitiva passou a beirar a esquizofrenia, resultando nos vídeos que circulam nas redes sociais com cenas absurdas de gente em verde-amarelo batendo continência até para pneu de trator.

A dissociação cognitiva é uma situação em que uma pessoa passa a negar a realidade em vez de aceitar que está errado, criando assim um mundo paralelo em sua cabeça. É o mesmo que, em vez de admitir que está errado ao jogar lixo no chão, a pessoa passa a argumentar que seu ato, em vez de reprovável, vai ajudar a manter o emprego do gari; ou ajudar os catadores de lixo.

Na verdade, muitas pessoas já usam a dissociação cognitiva para não admitir seus erros no dia a dia, sempre culpando o outro, jogando o fracasso para circunstâncias  da vida (ou de Deus ou do diabo) ou não admitindo que determinada pessoa tem mais conhecimento porque estudou mais, por isso está com a razão.

Para contextualizar, podemos nos valer de algo do tempo de infância, quando os professores sempre apresentavam aos seus alunos a famosa fábula da Raposa e as Uvas, em que a raposa se viu debaixo de uma plantação de saborosas uvas, mas não conseguia alcançar os cachos da fruta porque estavam altos, acima de seu alcance e de suas limitações.

Depois de várias tentativas frustradas, quando já ia embora por estar exausta, a raposa viu que um pássaro a observava e sentiu-se envergonhada diante de seu fracasso. Em vez de admitir sua incapacidade ou pedir ajuda, acreditou ter feito um papel ridículo e esnobou: “Eu teria conseguido, mas percebi que essas uvas estão verdes e não servem para um paladar tão refinado como o meu”.

Na versão da raposa, não foi por falta de esforço que ela não tinha conseguido comer aquelas uvas deliciosas, mas porque estavam verdes. Porém, a verdade é que, de tão vaidosa, optou por dar desculpas para não sair derrotada e, ao não aceitar suas próprias limitações, perdeu a oportunidade de corrigir suas falhas.

Voltado ao tema central, que é a dissociação cognitiva, aqueles que não aceitam o resultado das eleições passaram a não aceitar mais a realidade dos fatos e adotaram suas próprias interpretações que lhes convém, alimentadas por fake news, adotando um mundo paralelo onde essas pessoas não são capazes de admitirem estar erradas.

A situação chegou a um nível de esquizofrenia tal, a ponto de criminosos sentirem que podiam se dar bem se infiltrando nas mobilizações, ganhando dinheiro por meio de arrecadações para insuflar movimentos mais drásticos, passando a executar atos terroristas  contra os verdadeiros caminhoneiros que não estão nem aí para estas manifestações que pedem intervenção federal.

E o que era apenas um movimento cujo comportamento podia ser estudado pela Psicologia, agora se tornou um caso de polícia e de Justiça, cujas sequelas ficarão por muito tempo e que só poderão ser vencidas por meio da educação, com mais estudo. A fábula da Raposa e das Uvas já seria um bom começo para as crianças.

*Colunista