Jessé Souza

Jesse Souza 15110

O desrespeito ao consumidor que é visto pelos magistrados apenas como ‘mero aborrecimento’

Jessé Souza*

Pela repercussão do artigo de ontem, intitulado “É preciso coibir os abusos cometidos por empresas na hora de cancelar um serviço”,  ficou claro que o desrespeito ao consumidor por prestadoras de serviços é um tema que merece mais atenção não só pelos órgãos fiscalizadores como também pelos legisladores e operadores do Direito.

Ao narrarem suas desventuras ao buscarem seus direitos visando punir as empresas devido a má prestação de serviço e também para ressarcir os danos sofridos, leitores disseram ter chegado à conclusão de que não vale a pena buscar o Procon ou mesmo recorrer à Justiça, fato que só contribui para que estas empresas saiam impunes.  

O principal motivo de “deixar por isso mesmo” é que magistrados de primeira instância, especialmente no Juizado Especial, têm adotado o posicionamento de que existiria uma “indústria da indenização” e que os casos não passam de “mero aborrecimento”. É como se as pessoas de baixo poder aquisitivo, que buscam seus direitos, estivessem querendo enriquecer às custas das empresas.

“Não adianta procurar Procon ou a Justiça comum. Já procurei mais de uma vez e, mesmo anotando tudo, desde os números de protocolo, horas que o serviço ficou interrompido, medição da velocidade da internet, é julgado como MERO ABORRECIMENTO e que não cabe indenização”, relatou um leitor ao complementar que soube de casos em que “o prejudicado é alguém importante a indenização é gorda”.

Decisões judiciais neste sentido, que consideram apenas “mero aborrecimento”, vêm ocorrendo há muito tempo, a ponto de ter coibido ações judiciais contra a “lei da fila” nos bancos, mesmo que as pessoas tenham passado mais de uma hora na fila, causando transtornos no trabalho e nas atividades diárias. Para os magistrados, tudo não passa de “mero aborrecimento” que não provocou nenhum dano à pessoa.

Como sabem que não serão punidas pecuniariamente, seja com multas ou indenizações judiciais, as prestadoras de serviço fazem o que bem entendem com os consumidores, como foi o caso narrado no artigo de ontem. E a vítima do abuso que foi relatado afirmou que provavelmente não irá buscar a Justiça porque sabe que casos desse tipo são negados pelo juiz.

Como seguem faturando alto e não são punidas pelos seguidos problemas na prestação de serviços, as empresas nem ligam para as reclamações.   Até mesmo antes de os magistrados firmarem convicção de que tudo não passa de uma “indústria da indenização”, os valores das indenizações eram tão irrisórios que as empresas já dispõem de um fundo financeiro específico para pagar os que recorrem à Justiça. Mas, ultimamente, nem valores irrisórios elas estão sendo obrigadas a pagar.

Livres de punições que possam inibi-las em suas condutas lesivas ao consumidor, essas empresas sentem-se à vontade para continuarem com as  transgressões de todos os tipos, sem que haja qualquer instrumento atualmente para desestimulá-las a espezinhar os clientes e a ignorar a lei, especialmente o Código de Defesa do Consumidor. É por isso que as autoridades precisam estar atentos a este delicado assunto, especialmente os magistrados.

Não adianta ter leis tão bonitas no papel se elas não são cumpridas; e ainda com magistrados convictos de que tudo não passa de “aborrecimento”, mas desde que essa pessoa aborrecida seja pobre. Porque, se for um rico, com certeza ele terá um advogado que irá conseguir convencer que um juiz decida por uma gorda indenização por essa empresa ter ousado a destratar um “respeitável cidadão de bem da sociedade”.

*Colunista