Mudança no país precisa passar pelo combate ao mundo paralelo criado pela mentira
Jessé Souza*
A mentira como instrumento de manipulação de massa é a maior ameaça que o país tem neste momento, porque se tornou um instituto que extrapola o mundo político e entra na cabeça de milhões de pessoa através da religião, onde alguns pastores midiáticos estão a serviço da criação de um mundo paralelo, em que as pessoas em transe caem de joelhos a qualquer fake news, seja dentro das igrejas ou em frente dos quarteis do Exército em cenas divulgadas em vídeos vexaminosos.
Até hoje tem gente acreditando que a posse de Lula foi uma grande encenação, planejada pela TV Globo junto com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), enquanto o verdadeiro presidente seria o general Heleno, inclusive despachando no Planalto e aguardando não se sabe mais se 72 ou 24 horas para ordenar uma intervenção federal e a prisão dos ministros do TSE e de todos os políticos de esquerda.
O delírio desse mundo paralelo pôde ser acompanhado em vários vídeos desde o ano passado. Primeiro foram as cenas de dois ou três marmanjos em verde e amarelo, aos prantos, comemorando uma suposta decretação de Estado de sítio durante protesto de caminhoneiros. Depois foi o vídeo de um grupo em transe celebrando o que eles diziam ser a descoberta de que houve fraude nas eleições.
Ainda teve o vídeo de outro grupo gritando e se abraçando comemorando o anúncio de que teria sido decretada a prisão do ministro Alexandre de Moraes, do TSE. Em seguida, outra cena de pessoas em delírio diante da Bandeira nacional sendo baixada a meio-mastro, no luto pela morte de Pelé, mas que foi interpretada pelos acampados em frente ao quartel, em Brasília, como uma ação dos militares contra a posse de Lula.
Por último, não menos patético, foi o vídeo de manifestantes efusivos se abraçando, se ajoelhando e gritando que os militares estavam indo impedir a posse de Lula. Isso apenas para citar os vídeos que viralizaram, pois existem outros em que aparecem manifestantes narrando como iria ocorrer o golpe em 72h a partir de enredos de teorias conspiratórias que não deixam nada a desejar aos filmes de helicópteros explodindo.
E assim a mentira se instrumentalizou no Brasil como uma arma poderosa da manipulação de massa, em que não se sabe mais o que é verdade e o que mentira. Mas a mentira não é uma invenção brasileira recente na disputa entre esquerda e direita. Vem junto com desenvolvimento da humanidade e alguns filósofos já teorizavam sobre ela, a exemplo de O Príncipe, de Nicolau Maquiavel.
Enquanto este artigo estava sendo produzido, no início da tarde de ontem, um vizinho repetia em voz alta que Lula não havia tomado posse e a prova da farsa seria uma faixa presidencial falsa usada na solenidade do dia 1º. – que é uma fake news que vem sendo desmentida, mas que já virou “verdade” na cabeça de militantes fanáticos ou não como parte dessa manipulação de um mundo paralelo.
Por isso, a mentira como normalização de uma nova realidade política precisa ser combatida em todas as frentes, incluindo não apenas o parlamento, mas a imprensa, as entidades representativas da sociedade e todos aqueles que desejam ver o Brasil livre de um retrocesso que estava em curso, cuja nova narrativa é manter um mundo paralelo baseado na mentira, assim como ocorre até os dias atuais na Venezuela com um presidente paralelo autodeclarado, uma mentira tida com verdade para muitos.
As eleições de 2022 racharam o povo brasileiro ao meio, com quase a metade dos eleitores que não querem se sentir órfãos de uma liderança de direita, por isso há uma grande narrativa baseada na mentira de que Jair Bolsonaro não fugiu para os Estados Unidos e que está esperando somente um aceno dos militares ou uma decisão de Deus para voltar ao poder a qualquer momento.
E o comportamento de fanáticos desesperados é de esperar por qualquer comando de qualquer maluco, predispostos a aceitarem qualquer narrativa para continuarem acreditando que podem ter seu mito de volta. Essa grande parcela mostrou total disposição até para a negar a ciência e a educação a fim de seguir o seu líder. E isso é uma grande ameaça que precisa ser combatida.
*Colunista