O grande desafio da política indigenista que passa pelo comando da Sesai
Jessé Souza*
O governo Lula imediatamente começou a cumprir a promessa de garantir participação efetiva dos povos originários em seu governo, ao criar o Ministério dos Povos Indígenas e nomear também uma indígena para a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão que substituiu a nomenclatura retirando a palavra “Índio”. Até aqui, tudo certo, dentro dos conformes.
Porém, as lideranças que imediatamente assumiram a política indigenista do governo ainda não têm a real noção do que irão enfrentar na saúde indígena, setor este que segue nas mãos do Ministério da Saúde. Trata-se de um imenso abacaxi ainda a ser descascado principalmente quando se trata do Estado de Roraima, cujas nomeações na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) sempre estiveram nas mãos dos poderosos locais.
Os mesmos políticos que historicamente são contra os direitos indígenas são os mesmos que têm loteado a saúde indígena desde o tempo em que o setor era comandado pela extinta Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e que seguiram até os dias atuais com a Sesai. Eles não apenas são responsáveis pelos seguidos escândalos de corrupção como também apoiam o garimpo ilegal nas terras indígenas.
Com esses impostores no comando, a saúde indígena passou a estar intrinsicamente ligada à questão do garimpo ilegal na Terra Yanomami, pois os recursos milionários destinados à contratação de empresas de táxi aéreo acabam alimentando o poderoso esquema de voos clandestinos para os garimpos ilegais, conforme apontam as operações da Polícia Federal, e a manutenção de esquemas, fato já comprovado no caso do assassinato do empresário de táxi aéreo Chico da Meta, em maio de 2011, a mando de outro empresário do ramo.
Os esquemas remontam aos governos anteriores, mas nos últimos quatro anos o garimpo ilegal passou a ser o principal problema, conforme denúncias que começaram a pipocar a partir de 2020, quando a Sesai contratou uma empresa de táxi aéreo suspeita de atuar em garimpo ilegal em terra indígena (Agência O Globo – 13/07/2020), além de outras denúncias investigadas pelas operações da PF.
Naquele ano, o Ministério da Saúde pagou R$ 24,3 milhões a uma empresa que fornecia aviões para transportar indígenas e profissionais de saúde para a Terra Yanomami, cujo sócio é investigado pela PF sob suspeita de ceder aeronaves ao garimpo ilegal de ouro, inclusive tendo disputado uma vaga na Câmara Federal, sem alcançar sucesso apesar de ter esbanjado muito dinheiro. Essa empresa presta serviço de saúde indígena e, somente no governo de Jair Bolsonaro até o ano de 2020, já havia recebido R$ 17 milhões pelo serviço prestado em voos.
Conforme as investigações da PF, esta empresa começou a ser investigada por supostamente fazer jogo duplo, prestando serviço ao Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y) e aproveitando os voos para dar apoio ao garimpo ilegal, levando principalmente combustível e equipamentos. A referida empresa foi contratada pela Sesai mesmo que já estivesse proibida de operar voos, por decisão da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Para se ter uma ideia do volume de recursos movimentados na saúde indígena, de 2018 a 2020 somente o Dsei-Y recebeu mais de R$ 216 milhões para serem aplicados na saúde indígena, cujos serviços vão de contratação de transportes aéreo, terrestre e fluvial a recursos humanos, aquisição de bens, insumos, medicamentos, entre outros. A cifra foi divulgada à época pelo próprio Ministério da Saúde.
Não é à toa que os políticos disputam a socos e pontapés o comando da Sesai. Inclusive existe parlamentar com ligação direta a uma das empresas de táxi aéreo sob investigação da PF que, antes mesmo de assumir o mandado, já anunciou adesão ao grupo de parlamentares roraimenses que declarou apoio ao governo Lula, ainda que tenha pedido votos como sendo declaradamente de direita.
Como se pode notar, será uma luta titânica da qual se pode esperar tudo. Do lado do governo, um advogado ativista do Ceará foi nomeado para comandar a Sesai, Weibe Tapeba, se tornando o primeiro indígena a assumir a pasta, órgão não apenas vital para os povos indígenas como importante para começar a minar o poderio dos operadores do garimpo ilegal na Terra Yanomami.
Mas os operadores do grande esquema começaram a atuar bem antes de as lideranças indígenas terem assumidos os postos estratégicos, mostrando poder de organização e força política quando se trata de manter os mesmos esquemas. A questão é saber se esse novo aparato montado pelo governo para cuidar da política indigenista terá forças suficientes para expurgar o grande mal.
O primeiro passo é reunir condições para se livrar definitivamente das empresas de táxi aéreo já investigadas por envolvimento no garimpo ilegal. Ou os novos dirigentes da saúde indígena irão ficar refém do esquema poderoso? E não custa frisar que já houve um crime de pistolagem dentro dessa disputa, que foi o caso Chico da Meta, conforme relatado acima neste artigo.
*Colunista