Um bolo orçamentário indigesto para uma população vivendo na insegurança
Jessé Souza*
Quando se lê atentamente os números do Orçamento do Estado para este ano de 2023 tem-se a certeza de que tem algo muito errado, mais muito mesmo, no setor de Segurança Pública de Roraima, além das cenas corriqueiras divulgadas nas crônicas policiais da imprensa e de influenciadores digitais de porta de cadeia. Nas redes sociais, em tom irônico, isto poderia ser resumido assim: “tem algo muito errado que não está certo”.
A saber: na divisão do bolo orçamentário, foram destinados R$229 milhões para a Polícia Civil e R$381,5 milhões para a Polícia Militar. Os dados mostram ainda que foram destinados R$32,7 milhões para a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp). Os dados significam que as polícias são uma coisa, e Segurança Pública são outra coisa.
Dentro desta explicação de que “uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa”, as polícias Civil e Militar atuam de forma independente, enquanto a Secretaria de Segurança também tem uma atuação autônoma com orçamento próprio. Ou seja, quando se trata de segurança pública, cada um para o seu lado com recursos próprios, enquanto os bandidos são organizados no crime.
Essa explícita e oficial divisão explica muita coisa sobre a insegurança que o Estado vive, mostrando também que o governador, seja ele quem for, não tem total controle da Segurança Pública, ficando refém das forças políticas e partidárias que cada um desses setores exerce, especialmente quando a realidade revela que as polícias têm seus candidatos eleitos dentro da Assembleia Legislativa.
Outro indicativo de que o secretário de Segurança trata-se de uma figura apenas representativa era a forma de como as delegacias da Polícia Civil funcionavam, de acordo com a conveniência dos servidores, e não da necessidade da população, as quais ficavam com as portas abertas por meio expediente, como se os bandidos tivessem hora marcada para agir.
O governo mudou o expediente para os dois horários somente após quatro anos de mandato, uma mostra grátis de que o governador também não tem forças suficientes para impor mudanças necessárias, pois não se tratam apenas de poder de decisão e vontade política, mas de estrutura da Polícia Civil, cujo efetivo é defasado e as estruturas físicas inadequadas e insuficiente, enquanto há orçamentos distintos para a Sesp e a Polícia Civil.
Enquanto isso, parlamentares policiais civis e militares são reeleitos para a Assembleia Legislativa dentro desse quadro de que Segurança Pública tem servido mais para os interesses políticos de grupos e dos governantes. Não se pode esquecer do importante fato de que houve denúncias do uso da Polícia Militar para reprimir adversários políticos nas eleições passadas, um caso grave que segue silenciado até hoje.
Fora desse espectro político e partidário, o crime organizado caminha dando suas ordens e mostrando suas forças, cujos corpos com sinais de clara execução por acerto de conta são jogados ao longo do anel viário ou em via pública, a exemplo do que ocorreu na noite de terça-feira passada, no bairro Centenário, quando um venezuelano foi executado a tiros e o corpo desovado com pés e mãos amarrados no meio da rua.
No interior do Estado, onde as polícias atuam de forma reduzida e com menos recursos ainda. O resumo da ópera pode ser medido pelo caso mais recente, no domingo passado, no Cantá, de um homem executados a tiros, dentro de casa, por dois homens que chegaram em uma moto, em clara evidência de um acerto de conta aos moldes do que é visto corriqueiramente em Boa Vista. É o crime organizado diante de uma Segurança Pública funcionando aos trancos.
O Estado tem perdido a guerra contra o crime, com a população optando pelo silêncio para sua própria segurança. Ainda tem o garimpo ilegal que contribui sobremaneira para a criminalidade, com o absurdo crescimento do tráfico de drogas, com destaque para o Skank, a supermaconha. Mas essa é outra história. A realidade não emite bons sinais. Ou as autoridades despertam desse sono conveniente para eles, ou o inferno só aumentará para a população.
*Colunista