Jessé Souza

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Conectando os fatos para entender como Roraima chegou até a realidade atual

Jessé Souza*

Em agosto de 2021, em áudios compartilhados em grupos de WhatsApp, em Roraima, um homem sugeriu que uma forma de acabar com os indígenas que fiscalizavam o trânsito de garimpeiros em suas terras seria colocar veneno em um fardo de açúcar. Outro não apenas concordou como também sugeriu em que, em vez de açúcar, deveriam colocar veneno em garrafas de cachaças, pois ele entendia que os indígenas gostavam mais de cachaça do que de açúcar.

Não houve qualquer denúncia ou investigação sobre o episódio, pois este tipo de crime é tratado por aqui como “normal” ou “apenas uma zoação”. Tudo seguiu normalmente, apenas confirmando o comportamento da sociedade local que aprendeu a ser anti-indígena e xenófoba, colocando a culpa sempre nos povos indígenas, nos estrangeiros e nas pessoas que chegam de outros estados brasileiros.

Tal comportamento coletivo foi construído a partir da década de 1980, quando os políticos começaram a pregar massivamente a chamada paranoia da internacionalização da Amazônia,  que começaria por Roraima, a partir das terras indígenas e fomentada por estrangeiros. A finalidade era manter a opinião pública cegamente favorável ao garimpo e contra qualquer política ambiental e indígena. E deu muito certo!

Por mais absurdo que possa parecer, os mesmos políticos que pregaram esta paranoia da internacionalização, em um passado bem recente, são os mesmos que vêm comandando os Distritos Sanitários Indígenas (DSEI) por meio de indicações políticas e direcionamento da aplicação dos milionários recursos públicos destinado à saúde indígena; ou que defendem o garimpo ilegal.

E todos sabem abertamente das indicações políticas e partidárias, inclusive foi publicada uma extensa matéria a respeito, há cinco dias, no site www.redeamazoom.org, detalhando quem é quem nestas indicações, dando nome aos bois para quem quiser saber, caso ainda não tenham conhecimento sobre o assunto.

Então, o grande conluio é tão escancarado que não só a população fica à vontade para se declarar anti-indígena como para praticar injúria racial ou preconceitos aos povos indígenas a qualquer momento; ou simplesmente para defender o garimpo ilegal e a subjugação dos indígenas para que suas terras sirvam ao garimpo, a madeireiras, especulação e o agronegócio.

Foi com esta normalidade e naturalidade que o governador Antonio Denarium (PP) concedeu uma entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, publicada no domingo, negando a situação dos Yanomami, defendendo o garimpo e o governo Bolsonaro, além de chegar ao absurdo de sugerir que os indígenas deveriam abrir mão da sua cultura e do modo de vida tradicional para saírem da crise: “Não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”, afirmou.

O mandatário de Roraima apenas alimenta o que está no inconsciente coletivo da população local, construído pelos políticos pró-garimpo desde a década de 1980. Então, a declaração provocou zero indignação na opinião pública local, que vem provando nas duas últimas eleições que concorda com tudo isso que vem sendo colocado em prática pelo governo local em sintonia com o governo do presidente anterior.

Enquanto tudo isto ocorre, as operações deflagradas pela Polícia Federal vêm indicando que a mineradora Gana Gold, que trocou de nome para M.M. Gold, é suspeita de usar um garimpo em Itaituba, no Pará, para “esquentar” o ouro retirado ilegalmente da Terra Yanomami, em Roraima. A estimativa da PF é que o esquema tenha movimentado cerca de R$ 16 bilhões entre 2019 e 2021.

As investigações ainda indicam uma relação entre a Gana Gold com um empresário de Roraima, o qual vem sendo investigado pela PF por ter ligação direta com o garimpo por meio de apoio logístico aéreo que sustenta a exploração ilegal de ouro na terra indígena, cujo esquema movimentou R$200 milhões em dois anos, conforme já mostrou outra reportagem da Folha de São Paulo.

Logo, é só ligar os pontos para entender um pouco sobre a realidade do Estado de Roraima diante do garimpo ilegal e a situação do povo Yanomami. Este artigo, de certa forma, é uma resposta a internautas de outros estados que têm entrado em contato para questionar se a população e os políticos de Roraima não sabiam a respeito da tragédia que estava acontecendo com os indígenas.

Todos não apenas sabem do que está ocorrendo, como contribuem de alguma forma, seja por meio da omissão, do comportamento anti-indígena, pela defesa de políticos nas urnas ou mesmo por participarem deste grande esquema que envolve a política e empresas que faturam bilhões com o movimento do ouro ilegal extraído das terras indígenas.   

*Colunista