O saco da generalização da situação dos indígenas e um alento com a mudança nas leis
Jessé Souza*
Quanto mais abre a boca para a imprensa nacional para falar sobre o garimpo e a situação do povo Yanomami, mais o governador Antonio Denarium mostra seu desconhecimento sobre a realidade dos indígenas da Amazônia. Ou, pensando melhor, não seria uma posição proposital a fim de confundir a opinião pública brasileira sobre os povos tradicionais?
Em nova entrevista a um jornal de circulação nacional, o governador voltou a defender a legalização do garimpo em áreas não protegidas, enquanto argumenta que o seu governo estava fazendo sua parte junto às comunidades indígenas abandonadas, por meio de parcerias na agricultura, com plantio de milho e feijão, a fim de garantir segurança alimentar dos indígenas.
Com esta fala, Denarium coloca no mesmo saco da generalização todas as etnias do Estado, que chegam a 11 distribuídas em 32 terras indígenas, todas com suas peculiaridades e diferentes graus de contato com a sociedade envolvente, algumas com nenhum ou pouco tempo de contato a exemplo dos Yanomami; outras vivendo de forma tão isoladas a ponto de só se chegar de barco (Wai-Wai, ao Sul) ou avião (Taurepang, ao Norte), portanto, sem receberem ajuda governamental.
A verdade é que o governo mantém parceria com algumas comunidades com secular contato com a sociedade envolvente, a exemplo dos Macuxi e Wapichana, cujas terras estão mais próximas das cidades e com facilidade de acesso por carro. E nem se sabe ao certo quais os critérios adotados para esta parceria, pois existem algumas delas reclamando de estarem excluídas do programa governamental.
O descompasso com as comunidades indígenas é tanto que o governo tentou esvaziar a Secretaria Estadual do Índio, a SEI (que precisa atualizar a nomenclatura para “Indígena”), em vez de colocar no comando uma liderança indígena que seja consenso. Mas esta é outra história, uma vez que a pasta sempre foi comandada por um indicado de políticos ligados a produtores rurais.
A SEI não tem qualquer projeto para os Yanomami, por exemplo, pelo fato deste povo viver em locais remotos da floresta amazônica, onde é impensável qualquer atividade que fuja de sua realidade e de sua cultura, as quais foram gravemente afetadas pela chegada do garimpo ilegal. Portanto, o argumento do governador de que estava fazendo sua parte enquanto os Yanomami estavam abandonados não se sustenta à realidade dos fatos.
Ao contrário, enquanto os Yanomami estavam morrendo de doenças tratáveis e de fome em algumas regiões tomadas pelos garimpeiros, o Governo do Estado e a Assembleia Legislativa do Estado (ALE) estavam apoiando manifestações pró-garimpo, inclusive com a realização de audiências públicas na ALE, além de terem aprovado a lei estadual do garimpo e a lei que impede a fiscalização e apreensão de equipamentos de garimpeiros.
No mesmo momento em que tenta se defender, o governador insiste em afirmar que um de seus principais projetos é legalizar o garimpo fora de terras indígenas, como se isto fosse possível neste momento conturbado. Não há qualquer dúvida de que a prioridade do momento é frear o garimpo ilegal, acudir o povo Yanomami e combater o crime organizado que se apoderou da exploração mineral.
Com o Estado de Roraima tentando legalizar o garimpo de alguma forma, mesmo não sendo sua competência, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), estas ações só serviram para criar falsas expectativas nos garimpeiros e agradar os empresários do garimpo, os quais bancaram uma candidatura local regada a muito esbanjamento de dinheiro, com carreatas nas ruas da Capital e apoio midiático.
Porém, diante de todo este cenário, surge um alento. Finalmente, o Governo Federal está preparando mudanças na legislação com a finalidade de controlar a venda e compra do ouro. Esta Coluna, desde 2021, vem afirmando a necessidade de se mudar as leis que facilitam a legalização do ouro ilegal na hora da venda. A novidade é que o governo deverá revisar a Instrução Normativa 49 da Receita Federal, de 2001, e a Lei 12.844 de 2013.
Estas duas legislações federais permitem a emissão de nota fiscal impressa (IN 49) e a autodeclaração da origem do ouro no momento da venda (Lei 12.844), as quais abrem brechas para “esquentar” o ouro ilegal, permitindo que qualquer pessoa declare que o ouro teria origem legal, garantindo às empresas compradoras do minério se beneficiarem dessa “boa-fé” do vendedor, as livrando de quaisquer responsabilidades criminais sobre a compra do ouro proveniente das terras indígenas.
As decisões estão sendo tomadas. E os primeiros resultados começam a aparecer após sufocar o apoio logístico por meio de voos feitos por pequenas aeronaves. Com os garimpeiros abandonados por seus financiadores no meio da floresta, eles começaram a fugir a pé ou como podem através de barcos. Então, o melhor que o governador faz, neste momento, é ficar em silêncio. Afinal, já sabemos qual é o seu posicionamento e a sua prioridade.
*Colunista