Haveria algo oculto dentro da questão da crise Yanomami e do garimpo ilegal?
Jessé Souza*
A abertura do ano legislativo na Assembleia Legislativa tradicionalmente traz a mensagem do chefe do Executivo, a qual sempre aponta quais são as prioridades do governo para aquele ano e a avaliação das ações administrativa de uma maneira geral. Na solenidade de sexta-feira passada, o governador Antonio Denarium apresentou sua mensagem, a qual foi lida com alguns naturais atrapalhos na leitura de um texto escrito por terceiros, neste caso, assessores.
É sabido que o discurso em público não é o forte do governador, ainda que mediante um script. Não foi à toa que os debates eleitorais na TV se tornaram um tormento para sua equipe. No entanto, o conteúdo da mensagem lida na Assembleia Legislativa deixou bem claro que o governo está muito mais preocupado com a repercussão negativa sobre a questão Yanomami e o garimpo ilegal, do que realmente com a gravidade destas questões e com outras igualmente importantes, como a imigração venezuelana, que tem se acentuado, mas que foi solenemente ignorada na fala governamental.
Politicamente, nem deveriam preocupar tais repercussões, sabendo que Denarium governa um Estado com eleitorado em sua maioria bolsonarista, portanto favorável ao garimpo em terras indígenas e pouco se importando com o que aconteceu com os Yanomami, a ponto de ter sido reeleito com folga mesmo tendo explicitamente apoiado o garimpo, inclusive fazendo festa na Praça do Centro Cívico para sancionar leis legalizando o garimpo fora de terras indígenas e impedido agentes e policiais do Estado de fiscalizarem e apreenderem materiais e equipamentos dos garimpeiros.
Então, já que ele tem uma opinião pública majoritariamente favorável às ações de sua administração em relação a garimpo e povos indígenas, o que realmente preocupa o governador, que dedicou grande parte do início de sua mensagem para se defender e se explicar a respeito da questão Yanomami e garimpo ilegal? Há algo acontecendo que nós, pobres mortais, não estamos sabendo? Não parece normal querer se defender, a qualquer oportunidade, de algo que ele mesmo vem repetindo que não é de sua alçada, como a saúde indígena e a fiscalização do garimpo ilegal.
De repente, não mais que de repente, o governo começou a realizar várias ações em sequência, como a convocação de entidades indígenas para discutir agricultura familiar, a retomada da Secretaria do Índio (inclusive um projeto propõe a mudança para Secretaria dos Povos Indígenas) e até enviou representantes do Departamento de Educação Escolar Indígena para ouvir a comunidade Yanomami de Alto Mucajaí, com vídeos compartilhados nas redes sociais, como se algo espetacular estivesse em curso – e isso após anos de abandono.
É fato que o Ministério Público Federal (MPF) começou a investigar a conduta de Denarium em uma entrevista a Folha de S. Paulo, no final de janeiro passado, em que ele defendeu uma “aculturação dos Yanomami”, mas ele já alegou que as declarações dele foram “tiradas de contexto”. Então, tal episódio não deveria preocupar o governador, inclusive o episódio tem servido para que o governo se despertasse a respeito da questão indígena.
Também é fato que a Polícia Federal está investigando a irmã e o sobrinho do governador dentro da Operação BAL, deflagrada no dia 10 deste mês em Roraima e Pernambuco, sobre os quais recaem suspeitas de participarem de um suposto esquema de lavagem de dinheiro envolvendo comercialização de ouro ilegal retirado da Terra Indígena Yanomami. Durante as buscas e apreensões, foi apreendido um carregamento de cassiterita. A operação indica um movimento de R$64 milhões nos últimos dois anos.
No entanto, o governador se disse tranquilo, pois não está sendo investigado e alega que sequer está sabendo do teor da investigação. Muito menos a imprensa sabe muita coisa, pois a 4ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal em Roraima colocou em sigilo o processo, mesmo que Denarium não esteja sequer citado. Além disso, a irmã dele deverá comprovar que conseguiu ser uma empreendedora de sucesso desde quando, há dez anos, começou a fazer fardamento escolar para sobreviver.
Logo, dentro de todo esse enredo, não haveria motivos para seguir se defendendo alucinadamente do que ele diz não ter culpa ou responsabilidade, pois até mesmo as declarações ao jornal paulista foram “tiradas de contexto”. Então, que o governo realmente comece logo a cumprir a promessa feita na mensagem do governador, que é priorizar a Saúde e a Educação, setores que há quatro anos não conseguem se ajustar.
Na Saúde, bebês estão morrendo na maternidade coberta de lona e médicos ameaçam greve. Na Educação, muitas escolas ainda não iniciaram as aulas por falta de professor e por causa de escolas com estruturas inadequadas. Até mesmo onde as aulas iniciaram os alunos estão sendo mandado embora mais cedo, enquanto crianças anunciam nas redes sociais que estão trabalhando na informalidade para comprar material escolar.
Isso, sim, deveria estar tirando o sono não só do governador, mas de outras autoridades, inclusive deputados da massiva base governista. A não ser que realmente haja algo que não sabemos dentro dessa nebulosa questão dos Yanomami e do garimpo ilegal…
*Colunista