A malária é o reflexo imediato da fuga em massa de garimpeiros para as cidades
Jessé Souza*
Cheguei ao Pronto Atendimento Cosme e Silva (PACS), no bairro Pintolândia, zona Oeste de Boa Vista, na manhã de sexta-feira, depois de três horas de viagem de carro partindo do interior. Fui direto em busca de atendimento por suspeita de fratura na mão esquerda após um acidente. Como sempre, a receptação estava lotada e, desta vez, pela conversa entre alguns que aguardavam a triagem, havia pessoas que estavam ali sob suspeita de malária.
Não restam dúvidas da origem da contaminação. Depois de quase duas horas de espera, com as pessoas conversando abertamente, elas diziam que haviam deixado a Terra Yanomami depois que o garimpo ilegal passou a ser combatido. Significa que as autoridades sanitárias precisam redobrar as ações de prevenção e combate à malária não apenas na Capital, mas também nos municípios do interior para onde se dirigem muitos que abandonaram as frentes garimpeiras na terra indígena.
Uma pesquisa realizada em setembro de 2022, publicada no The Brazilian Journal of Infectious Diseases, já apontava onde a malária se concentra na Capital roraimense, conforme o relatório intitulado “Distribuição Geográfica de Casos de Malária em Boa Vista, Roraima”. Embora os casos estejam distribuídos por vários bairros, o Senador Hélio Campos é a região com maior incidência, pois é o mais distante do Centro, que concentra conjuntos habitacionais onde moram famílias de baixa renda.
A malária é um dos reflexos do fenômeno do garimpo ilegal em Roraima, pois muitos dos homens e mulheres que vão em busca do sonho de ficar ricos voltam mesmo só com o amarelo da doença, se tornando mais um problema para a saúde pública, seja contribuindo para lotar os hospitais, conforme presenciei na sexta-feira, como também se tornando um potencial foco de disseminação nos bairros onde moram, principalmente onde há córregos e igarapés, a exemplo do Senador Hélio Campos.
Conforme destacaram os autores da pesquisa, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem como um de seus objetivos de desenvolvimento sustentável e como uma de suas metas acabar com várias doenças endêmicas até 2030, dentre elas a malária. E o Estado de Roraima é um dos grandes desafios, pois é uma unidade da Federação que faz divisa com regiões nacionais (Amazonas e Pará) e internacionais (Guiana e Venezuela).
Do total de 15 municípios roraimenses, dez (66,7%) apresentam elevada incidência de malária: Mucajaí, Alto Alegre, Iracema, Amajari, Caroebe, Iracema, São Luiz, Uiramutã, Pacaraima, São João da Baliza e Normandia. Os quatro primeiros abrigam a Terra Yanomami ou estão próximos dos limites geográficos daquela terra indígena invadida por milhares de garimpeiros, os quais começaram a ser retirados ou estão deixando a área espontaneamente.
A pesquisa ainda aponta que Boa Vista corresponde ao menor número de casos autóctones de malária, mas que se torna prioritário para assistência à saúde porque, diante dos fatos, pode registrar aumento da taxa de disseminação do protozoário dentro e fora do município. Sabe-se que muitos dos doentes acabam se deslocando para a Capital em busca de atendimento ou mesmo estão em constante trânsito entre a cidade e o interior. Com a saída de garimpeiros da terra indígena, esse risco só aumentou.
Apesar de os teóricos do caos pregarem que a retirada dos garimpeiros iria provocar sérios reflexos na violência urbana (como se todo garimpeiro fosse bandidos) e desemprego, a questão da saúde pública é o que surge como principal desafio imediato. Antes, muitas frentes de garimpo subornavam servidores da saúde indígena para terem acesso a exames e remédio, inclusive havia locais onde os garimpeiros contratavam enfermeiros ou técnicos para que fizessem atendimento exclusivo e in loco.
Agora, com esse deslocamento em massa de garimpeiros para as cidades, especialmente na Capital, o momento é de agir por parte das autoridades sanitárias não só do Estado e da Capital, mas também dos municípios do interior. Os casos já começaram a lotar o serviço de urgência e emergência da saúde pública, contribuindo para aumentar a demanda no atendimento. E a tendência é essa realidade se agravar, se não houver uma atenção especial ao que está acontecendo.
*Colunista