Jessé Souza

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Trama negacionista e os tempos de escavadeiras que provocam estragos em dois dias

Jessé Souza*

Os defensores do garimpo ilegal e detratores dos direitos indígenas encontraram rapidinho argumentos para justificar a tragédia Yanomami, alegando que há 30 anos essas comunidades indígenas estariam vivendo a mesma realidade. A defesa enfática desse discurso é uma forma encontrada para tentar negar a gravidade da situação dos indígenas e dos estragos provocados pela ação voraz dos garimpeiros, bem como alegar uma trama do atual governo para “fazer um circo político e midiático”.

De fato, o garimpo ilegal nunca deixou de existir nas terras indígenas, no entanto, a forma de atuar se tornou muita mais agressiva na forma de extração e na organização de comando das frentes de exploração. Agora, não são apenas balsas com suas dragas e par de máquinas sugando o leito e margem dos rios, cuja ação levava semanas, meses e até mesmo anos para provocar um impacto nefasto ao meio ambiente e, por conseguinte, aos indígenas de pouco ou nenhum contato com a sociedade envolvente.

Agora, são modernas escavadeiras que provocam um dano ambiental em apenas dois dias (sim, dois dias!), realidade muito distante das dragas pequenas do passado, as quais dividiam as frentes exploratórias com o garimpo manual. É uma mudança brutal na forma de agressão, a ponto de inclusive deixar os próprios garimpeiros sem água potável, obrigando ao abastecimento com água mineral transportada por aviões e barcos.

Um exemplo do altíssimo grau devastador pôde ser medido por meio de um vídeo que circulou, ainda em março de 2021, com um garimpeiro comemorando o desvio do leito do Rio Mucajaí, um importante e volumoso afluente que deságua no Rio Branco no Município de Mucajaí. Além de não ter alarmado nenhuma autoridade à época, não há notícia de que alguém tenha sido investigado e punido, ato que acabou funcionando como uma senha para o avanço criminoso do garimpo ilegal.

Então, a explosão do grau devastador do atual tempo moderno das escavadeiras representou um imediato cenário de terra arrasada no meio da floresta, o que repercutiu imediata e tragicamente na saúde dos Yanomami, combinando o avanço do garimpo ilegal com o período da pandemia de Covid-19, quando o governo fez pouco caso da saúde indígena ao mesmo tempo em que incentivava o avanço da exploração mineral. Foi uma bomba devastadora jamais vista e sentida pelos Yanomami.

Além disso, o crime organizado havia chegado no comando das frentes de garimpo, potencializando não apenas a forma de exploração, mas também o avanço de outros crimes de tráfico de drogas, de armas e humano – não apenas cooptando mulheres para a prostituição, mas mantendo garimpeiros e indígenas como mão de obra análoga à escravidão. Além de receberem pouco pelo trabalho, os escravos da floresta ainda têm descontados alimentação, remédios, internet e outros serviços, bem como, no final, acabavam sendo obrigados a gastar o dinheiro que restava nas vilas garimpeiras, que oferecem de tudo.

Nos últimos quatro anos, como não havia combate ostensivo ao garimpo ilegal, nem qualquer tipo de fiscalização, as vilas garimpeiras cobertas de lona e palha passaram a centralizar territórios sem lei – pelo menos as leis brasileiras. As pistas de pouso usadas para levar remédios, médicos e comida para os indígenas passaram a ser dominadas pelo crime organizado do garimpo ilegal, com facções impondo suas próprias leis, inclusive abrigando criminosos foragidos da Justiça ou aqueles que sequer foram acusados formalmente.

Esse foi o cenário montado no garimpo ilegal dentro da Terra Yanomami e de outras terras indígenas Brasil afora. Não existe essa estória de que tal realidade se arrastaria por décadas e que, portanto, haveria um “circo montado” contra o garimpo e contra o bolsonarismo (o principal apoiador e fomentador do garimpo ilegal). A verdade é que o garimpo ilegal ganhou uma nova face mais cruel e poderosa, cujo reflexo mais danoso foi sentido pelo meio ambiente e pelas comunidades indígenas.   

Se há alguma trama em curso, essa foi montada para tentar negar a gravidade dos crimes cometidos pelos empresários do garimpo ilegal, por seus capangas e peões, além de  políticos que deram sustentação a tudo isso, esquema que movimenta bilhões de reais nas mãos de poucos, conforme apontam as investigações da Polícia Federal.

*Colunista