Lembranças do passado do sistema prisional e a guerra política nos bastidores
Jessé Souza*
Há um movimento preocupante nos bastidores políticos do sistema prisional roraimense, diante do alerta que parte do Rio Grande do Norte, onde os criminosos tentam impor suas regras se aproveitando da situação precária dos presídios e de erros administrativos, problemas que vêm de longas datas. Por aqui, começaram a surgir denúncias tanto por parte de famílias dos presos e de servidores que alegam perseguição e assédio moral, conforme começou a ser exposto no artigo de ontem.
Apesar de algumas denúncias terem fundo de verdade, como perseguições e a histórica questão precária do sistema carcerário, existe em curso uma outra guerra não menos preocupante. Os servidores do sistema prisional estão metidos não somente numa disputa política, como também partidária, pois a categoria conseguiu eleger um deputado para representá-los mediante a promessa de que eles teriam ingerência para indicar um novo secretário de Justiça e Cidadania.
O fato é que o sistema prisional funcionou sob uma intervenção federal por um período, impondo uma administração austera, ignorando privilégios que servidores estavam habituados no passado, os quais acabaram por fragilizar o sistema de alguma maneira. Se o governo não tiver pulso o suficiente para frear os privilégios e desmandos que se desenha atualmente, pode-se perder o controle tudo, abrindo margem para a retomada da escalada da violência a partir dos presídios, onde estão os cabeças do crime organizado.
Não significa necessariamente que existam policiais penais em conluio com facções ou lideranças criminosas. Mas o passado recente já comprovou que excesso de privilégios acaba refletindo também no controle do sistema, com falhas graves e brechas para que presos perigosos também possam se aproveitar para conquistar os seus privilégios, benesses essas que passaram a ser acompanhadas de perto pelos interventores federais, os quais não vieram para ficar e que já cumpriram sua missão, ficando somente o secretário e o adjunto daquela época da intervenção, os quais ficaram gerindo o sistema para que não voltemos a viver o caos de 2018.
A queda de braço política dentro do sistema não é um bom sinal, pois não se pode confundir garantias legais a quaisquer categorias com abrandamento de normas e padrões de uma instituição, ou conceção de privilégios negociada por meio do voto. Isso nunca deu certo, o que pode ser visto na eleição e reeleição de policiais civis e militares, bem como delegado. Esses mandatos têm servido mais para garantir privilégios do que para melhorar a Segurança Pública.
Pelo contrário, o excesso de privilégios levou um grupo de policiais militares cedidos e lotados na Assembleia Legislativa ao envolvimento no rumoroso caso do sequestro e tortura de um casal de jornalistas, um triste e preocupante episódio que jamais poderá ser esquecido pela sociedade roraimense. E esse mesmo excesso ou falta de ordem tornou a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, não faz muito tempo, em uma verdadeira feira-livre entremuros e colônia de férias para líderes do crime.
Não se pode esquecer que, na última crise do sistema prisional, em 2018, a Polícia Federal descobriu, durante uma operação que investigava um esquema de fornecimento de comida para os presídios, uma forte suspeita de outro esquema: o de compra de votos que acabara de eleger um deputado estadual, o qual chegou a ser preso e que assumiu o mandato com uma tornozeleira. Então, há muito o que se refletir sobre o que está ocorrendo neste exato momento.
A maior preocupação é em relação a esta guerra política que se desenha nos bastidores, que pode levar o Governo do Estado a perder o controle do sistema, dentro do joguete do toma-lá-dá-cá, que é um passo para o crime organizado ganhar fôlego dentro dos presídios e para que bandidos voltem a dar ordens para uma nova escalada de violência dentro e fora dos muros das cadeias. É uma questão muito séria e que precisa fazer parte da preocupação das autoridades.
Afinal, o sistema prisional do Rio Grande do Norte passou por intervenção federal antes do Estado de Roraima. Como forças políticas e outros poderes não tão ocultos assim foram minando o controle do sistema, o caos voltou a se estabelecer naquele Estado, com bandidos tocando o terror em 30 cidades, se valendo das condições dos presídios para conquistar privilégios e manterem seu poder dentro e fora das cadeias. Se aqui o sistema ceder, teremos a volta daquele cenário de terror semelhante ao enfrentado no RN e que já vivenciamos no passado.
*Colunista