Banalização da violência contra a mulher como uma política de governo
Jessé Souza*
O desfecho da exoneração do então secretário estadual de Cultura, Shérisson Oliveira, denunciado por violência doméstica contra a esposa, além de agressões a outras mulheres que podem chegar a uma dezena, cujos casos ainda se arrastam em alguma gaveta, mostra muito bem a forma como as autoridades lidam em relação aos direitos das mulheres.
Há um fosso muito grande entre as propagandas institucionais e a prática, em que os agressores se valem da lentidão e das vistas grossas, enquanto as vítimas ficam com o desprezo e a falta de acolhimento. Além disso, reforça para a opinião pública como o Governo do Estado tem agido em situações como essa não só na atual administração, no entanto, nesta os fatos têm sido recorrentes.
Voltando um pouco no tempo, houve o caso na Secretaria Estadual de Saúde (Sesau), onde um adjunto foi demitido após denúncias de assédio sexual e moral contra servidoras, além de envolvimento em suposto esquema. Só que, em vez de abonar a punição, o governo não só o readmitiu, como também o premiou ao nomeá-lo como novo secretário de Saúde, demitindo quem o puniu. Foi a vitória do acusado em prejuízo das vítimas. Depois, este então secretário acabou sendo alvo de uma operação da Polícia Federal no caso do dinheiro na cueca.
E punir não é o forte deste governo em quaisquer circunstâncias. Não se pode esquecer do caso de um secretário que se envolveu em um acidente de trânsito, cuja vítima por acaso foi uma mulher que estava atravessando a avenida na faixa de pedestre, e acabou detido por embriaguez ao volante. Detalhe: com um carro público em fim de semana. Antes disso, ele já havia sido denunciado por assédio moral e sexual. Em vez de demitido, foi promovido recentemente a super secretário, acumulando duas pastas. Isso só para demonstrar como as autoridades agem para se proteger.
Tais situações parecem insignificantes diante do grave e amplo quadro da violência contra a mulher em Roraima e em todo o país. Porém, eles só parecem insignificantes. A verdade é que o exemplo precisa partir de cima, das autoridades, para que a sociedade comece a cobrar e a praticar as mudanças necessária. No entanto, como é o exemplo no governo local, a realidade só confirma que há um explícito privilégio aos homens, os quais comandam os principais espaços do poder.
Ainda assim, mesmo quando há mulheres no comando, elas cedem a essa desigualdade e cultura que subjuga as mulheres por seu gênero, que é a principal causa da violência contra a mulher. No Governo de Roraima, são 21 secretários, dos quais apenas quatro são mulheres, mas quase a totalidade indicada por força de interesses políticos e partidários de seus maridos ou familiares no poder, a fim de privilegiar seus grupos, e não por seus méritos e qualidades. Apenas a reprodução do que é a nossa sociedade.
E é dessa forma que o caso do ex-secretário de Cultura se encaixa no grande contexto da situação da violência contra a mulher. E os mesmos fatos indicam que a manutenção desse secretário por tanto tempo nem se encaixa em critério de competência, pois foram quatro anos que a Secretaria Estadual de Cultura e Turismo (Secult) passou sem edital de Lei de Incentivo à Cultura. E muito menos qualquer ação para o Turismo.
É por isso, e por tudo o mais, que a violência contra a mulher se torna algo tão banal, uma cultura normalizada, a ponto de um caso grave ainda precisar que lideranças do setor cultural de quase uma centena de entidades assinassem um abaixo-assinado para que o governo saia de sua política de fingir que nada está acontecendo. Há muita gaveta governamental escondendo processos e casos de violência contra a mulher. Isso precisa mudar.
E no mesmo momento em que o então secretário de Cultura estava recebendo a informação de sua exoneração, um grupo de servidores da Agência de Desenvolvimento de Roraima (Desenvolve RR) fazia um protesto contra o assédio moral e pedindo a exoneração do presidente da entidade. Embora sejam casos destintos, a atitude das autoridades frente a qualquer tipo de denúncia acaba fortalecendo agressores e transgressores, especialmente os casos de violência contra a mulher, os quais precisam ser tratados com tolerância zero.
*Colunista
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da FolhaBV