Um suco de conspiração no dia em que as homenagens deveriam ter sido outras
Jessé Souza*
No Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril, a Assembleia Legislativa de Roraima, em vez de se concentrar nas homenagens aos povos originários e sua luta, decidiu condecorar, com o título de “Cidadão Benemérito de Roraima”, o ex-ministro Aldo Rabelo, um político camaleão que não só defende o agronegócio como já recebeu recursos de grandes produtores para sua campanha eleitoral (Fonte: “O Código do Aldo Rabelo”), quando apresentou uma proposta para mudança no Código Florestal.
Inclusive a palestra de Rabelo sempre foi baseada em antigas teorias conspiratórias que agradam o pessoal da extrema-direita, que não passa de um pensamento melhorado desde o tempo em que o discurso era baseado somente na conspiração de uma suposta invasão internacional da Amazônia a partir das terras indígenas, discurso esse que foi responsável por eleger e reeleger a maioria dos caciques políticos locais.
Mas não é de se estranhar o comportamento da Assembleia Legislativa, pois esse poder sempre se mostrou pró-garimpo, pró-madeireiras e pró a tudo que possa beneficiar as grandes empresas que exploram as riquezas da Amazônia. No ano passado, por exemplo, quando as denúncias de mortes de Yanomami pipocavam na imprensa, os deputados realizavam audiência pública em favor do garimpo e abrigando manifestações de garimpeiros ilegais.
Nem se pode deixar de relembrar que, nesse último ano eleitoral, os deputados aprovaram em tempo recorde duas leis beneficiando o garimpo, um que legalizava a exploração mineral em áreas não indígenas, inclusive com uso de mercúrio, e outro que impedia os agentes estaduais de fiscalizar, autuar e apreender maquinário e equipamento de garimpeiros. Duas leis que foram derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), diga-se de passagem.
Então, a postura de homenagear um teórico da conspiração ambiental no Dia dos Povos Indígenas não chega ser necessariamente uma surpresa, embora não se possa admitir a afronta às comunidades indígenas, as quais passaram quatro anos sob fogo intenso de um governo que de tudo fez para reduzir direitos e liberar não apenas o garimpo nas terras indígenas, mas também o agronegócio e madeireiras.
Também não seria de estranhar que Aldo Rabelo viesse ao Estado repetir antigo delírio de que as questões indígenas e ambientais são usadas para tirar Roraima do mapa, em um isolamento que permeia a mente dos conspiradores que colocam os povos indígenas como inimigos a serem combatidos.
Mas o que muitos não querem entender é que tal discurso serve para paparicar os grandes investidores do agronegócio e da mineração, os quais são patrocinadores de candidaturas a cada pleito eleitoral, escondendo a verdadeira origem dos males que isolam e atrasam Roraima, como a corrupção sistêmica, políticos que atuam somente em favor de seus interesses ou de grupos e dos que querem um Estado em total penúria para que continuem comprando votos dos mais pobres e dos oportunistas.
Que o “comunista” viesse ao Estado receber sua comenda, a qual interessa somente aos políticos e aos seus egos, mas em outra data, pois passou de ser uma afronta discursar contra a questão indígena exatamente no Dia dos Povos Indígenas, comportamento que serve ao poderio econômico que banca o garimpo ilegal e a invasão de terras indígenas, bem como a grilagem de terras para que sirva ao grande capital, além de patrocinar candidaturas país afora para que defendam seus interesses e seus negócios.
*Colunista
** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV