Jessé Souza

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Uma vaga de conselheiro no TCE e a ruidosa disputa pela indicação de um nome

Jessé Souza*

Era para ser apenas a escolha de um nome para ocupar uma vaga de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado de Roraima (TCE-RR), cuja indicação é de responsabilidade da Assembleia Legislativa. Mas a verdade é que o fato se tornou uma ruidosa disputa entre os principais grupos políticos que buscam concentrar mais poder em suas mãos, com desdobramentos ainda imprevisíveis até o fim da aprovação do nome pelos deputados.

Mas a disputa tem um enredo bem mais amplo, a começar pelo conselheiro que se aposentou e abriu vacância. Na quarta-feira passada, Henrique Machado, ex-presidente do TCE,  foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a 5,4 anos de reclusão, em regime semiaberto, pelo crime de peculato. Ele recebeu auxílio-transporte durante o período em que ficou afastado do cargo de conselheiro, de novembro de 2011 a julho de 2014, por isso o STJ ainda determinou que ele devolva R$267 mil aos cofres públicos.

O então conselheiro havia sido afastado pelo mesmo STJ, que o condenou, em dezembro de 2018, a 11 anos de prisão e à perda de cargo por envolvimento no rumoroso escândalo chamado de “Caso Gafanhotos”, que levou à prisão outros políticos importantes, entre eles o ex-governador Neudo Campos. Outro ex-conselheiro do TCE foi condenado na mesma sentença do STJ, Marcus Hollanda. Isso é só para lembrar os meandros que o TCE teve de enfrentar até a aposentadoria e, agora, mediante a disputa da vaga deixada por Machado.

Os principais grupos que disputam a hegemonia da política roraimense entraram na briga pela vaga, deixando mais transparente que eles têm um projeto de poder, e não um projeto político em favor da sociedade, cuja finalidade é acumular mais poder e recursos para controlar tudo. A indicação de um nome para conselheiro do TCE fez emergir das entranhas os principais personagens que querem dominar o Governo do Estado nos próximos anos, cujos planos incluem as eleições municipais a fim de ter as chaves da  Prefeitura de Boa Vista.

Mesmo a vaga sendo da Assembleia Legislativa, as recentes informações dão conta de que o governador Antonio Denarium já teria comunicado que decidiu entrar na disputa indicado o nome da esposa, Simone Denarium. Não se sabe se tudo não passa de um balão de ensaio ou alguma estratégia, pois não parece crível que o governador queira peitar a Assembleia Legislativa, onde repousa na gaveta quatro pedidos de impeachment contra ele.

Também não parece sensato queimar-se em um momento delicado como esse, sabendo que, no Estado do Pará, o governador de lá indicou a esposa para o cargo de conselheiro do TCE paraense, o que levou o MPF a entrar com uma representação alegando que a nomeação da primeira-dama violaria os preceitos constitucionais e, ainda, que teria indícios de nepotismo.

Até a Associação dos Auditores de Controle Externo do TCE  paraense questiona judicialmente a indicação. Alega justificativas que vão além da ausência de capacidade técnica: incompatibilidade da nomeação com os princípios constitucionais e subversão do mecanismo de freios e contrapesos, pois haveria desrespeito ao princípio da moralidade quando o governador passaria a ter, no TCE, a própria esposa responsável exatamente por fiscalizar o Poder Executivo, revelando claros interesses pessoais em prejuízo aos interesses da Administração.

Por aqui, o governador Denarium já tem dor de cabeça suficiente para resolver junto ao MPF, que começou a investigá-lo por suposto genocídio contra o povo Yanomami devido a suas declarações no meio da crise sanitária indígena. E isso no mesmo momento em que a Polícia Federal bateu à porta de familiares investigados sobre lavagem de dinheiro proveniente do garimpo ilegal na Terra Yanomami.

Com um final imprevisível, ainda existem muitos fatos a se desenrolarem nesta disputa pela vaga no TCE, cujo pano de fundo é o controle das chaves da Prefeitura de Boa Vista e do Governo do Estado. O povo é apenas um detalhe. É por isso que a sociedade precisa acompanhar de perto toda a disputa que se formou em torno da corrida por um cargo vitalício e pela concentração de poder nas mãos de um grupo. Cenas dos próximos capítulos.

*Colunista

** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV