Jessé Souza

Jesse Souza 15768

As políticas do cobertor curto e de entregar o peixe dentro do contexto de insegurança

Jessé Souza*

Toda aquela encenação de colocar viaturas em frente de escolas atendeu a um momento de grande clamor social. Todos aplaudiram. Embora necessária, a ação  serviu também para mostrar que a Segurança Pública em Roraima atua na base “descobrir um santo para cobrir outro”. Quando todos esquecerem o episódio de ameaças, as escolas seguirão como antes, com suas estruturas precárias e sem viaturas para atender ocorrências.

No entanto, enquanto as escolas estão sob proteção constante de viaturas, crimes bárbaros seguiram na Capital e no interior, todos sem o devido clamor e repercussão. No dia 20, um venezuelano foi executado com 13 tiros no Centro de Boa Vista, cuja ação criminosa ainda deixou uma mulher e uma criança de 12 anos baleadas. Isso na Rua Cecília Brasil, bem próximo da sede dos três poderes, na Praça do Centro Cívico!

Na tarde de segunda-feira, 24, o corpo de um homem foi encontrado em um bueiro no bairro Operário, na zona Oeste, despido, cabeça coberta com capuz e mãos amarradas. Assim como no caso do venezuelano assassinado a tiros, são claras as evidências de um acerto de conta provavelmente pelo crime organizado, em uma cena muito semelhante ao que vem ocorrendo nos últimos anos com uma certa frequência especialmente na Capital. Vale ressaltar que crimes bárbaros na zona rural e no interior também foram registrados nesses últimos dias.  

Os casos vão caindo no esquecimento, colocando para debaixo do tapete uma guerrilha urbana em curso no Estado e deixando às claras a incompetência do poder público para dar uma resposta à sociedade no enfrentamento à criminalidade. É como se houvesse um acordo informal de deixar o crime organizado agir, impondo suas próprias leis entre os seus e seus rivais, desde que os criminosos não afrontem as autoridades nem provoquem ações orquestradas dentro e fora do presídio. E a sociedade parece ter aceitado isso.

Os fatos mostram uma preocupante realidade, cuja leitura pode ser feita também pela observação cotidiana de quem conhece a dinâmica dos bairros periféricos e das cidades do interior ou, simplesmente, a partir das  matérias publicadas no dia a dia na imprensa, mostrando o avanço das drogas, furtos e roubos, estupros, alta violência contra a mulher, bem como jovens entrando cada vez mais cedo no crime, cooptados pelo crime organizado, o qual ampliou seus tentáculos para o garimpo ilegal.

A imigração desordenada é um importante fator dentro desse contexto, o que faz ampliar o número de adolescentes e jovens na ociosidade, aumentando a desigualdade social. Soma-se a isso o grande número de armas de fogo em circulação que entra pela fronteira com a Venezuela, onde os caminhos clandestinos são conhecidos de todos. Jovens entrando para o crime com fácil acesso a armas e drogas são uma combinação desastrosa.

Tal realidade assemelha-se muito à análise feita pelo Mapa da Violência 2023, que aponta uma mistura de condições que tendem a favorecer a manutenção de uma alta criminalidade no Brasil: população jovem, alta desigualdade social e alta prevalência de armas em circulação. Em Roraima, a pobreza é um fator importante, pois o movimento migratório tem aumentado o número de famílias venezuelanas que chegam apenas com a roupa do corpo em busca de uma nova vida.

Não que a pobreza autorize as pessoas a serem criminosas. Absolutamente não. Mas vulnerabiliza os cidadãos, principalmente os jovens, os quais acabam cooptados pelo mundo crime. Não por acaso, boa parte dos crimes com sinais de acerto de conta tem como vítimas jovens venezuelanos envolvidos principalmente com o tráfico de drogas, os quais são eliminados de maneira cruel em acertos de conta. Mas isso não se resume a venezuelanos apenas, é importante frisar.

Apesar de tudo, não se vê nenhuma preocupação das autoridades com esta perigosa realidade que se amplia não somente na Capital, mas também nos municípios do interior, onde a Segurança Pública e políticas sociais são muito menos eficientes ou inexistentes (mas esse assunto para outro artigo). Esta Coluna vem alertando para essa situação há muito tempo. Mas parece que ninguém quer dar ouvidos.

Ao contrário, o Governo de Roraima mostrou-se perigosamente interessado em adotar a política de entregar peixe na fila do assistencialismo, em vez de proporcionar as condições para as pessoas pescarem. Quando a pobreza bate à porta, os dados mostram que a tendência é aumentar a criminalidade.  Algo muito sombrio está sendo desenhado no Estado de Roraima.

*Colunista

** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV