Jessé Souza

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Chuvas para refrescar a memória de quem está ilhado no interior de Roraima

Jessé Souza*

Enquanto as fortes chuvas do inverno roraimense caem implacavelmente em todo o Estado, desde a semana passada, esse é o momento certo para refrescar a memória. Estava muito óbvio que existia uma grande fachada sobre anúncios de recuperação de estradas e reforma de pontes. Junho é o mês que registra o maior índice pluviométrico, mas a população do interior já sofre hoje com estradas alagadas, vicinais obstruídas, pontes e bueiros rompidos, atoleiros e obras inacabadas ou mal feitas.

Tudo dentro do que foi exposto no artigo publicado no dia 03 deste mês, sob o título “Montanhas de recursos aos municípios e o protesto de quem continua com estradas intrafegáveis”. Se fosse feito um “Control+C/Control+V”, ninguém suspeitaria de que se trataria de um texto publicado no início deste mês, pois está ocorrendo exatamente como foi descrito naquele artigo e nos demais publicados ao longo do ano passado, quando o governador Antonio Denarium abriu as torneiras dos cofres públicos, às vésperas das eleições, para 13 prefeitos aliados.

Vamos aos fatos. Faltavam 100 dias para as eleições, em junho passado, quando o governador destinou R$70 milhões em recursos extras para 13 dos 15 municípios do interior, autorizado pela Assembleia Legislativa de Roraima, amparado por decretos de calamidade pública oficializados pelos prefeitos por causa do inverno daquele ano. O recurso seria justamente para as prefeituras recuperarem estradas intrafegáveis por causa de atoleiros, pontes quebradas e bueiros destruídos, além de construção de desvios para garantir a trafegabilidade principalmente nas vicinais.

Não só isso. Em seguida, Denarium anunciou quase R$105 milhões em contratos do governo direcionados para obras e serviços nos 15 municípios do Estado, também em junho, sem especificar nada, apenas alegando que recurso seria para limpeza urbana, abertura e conservação de ruas em vilas, remoção de entulhos, demolições de prédios, limpeza de escolas e prédios públicos. Quase nove meses se passaram, mas a realidade segue a mesma.

O tempo passou, Denarium se reelegeu com uma votação expressiva, mas a realidade não mudou. Os alagamentos estão se repetindo e, onde houve apenas uma engabelação com terraplenagem meia-boca, os atoleiros voltaram ainda piores em várias regiões do Estado. Da mesma forma, estradas ficaram submersas, pontes e bueiros foram destruídos, revelando que os recursos não foram bem aplicados como deveriam.

Até o momento, nunca houve prestação de conta desses recursos. Nem se sabe exatamente onde o montante do dinheiro foi aplicado. A única certeza é que a população do interior está ilhada por causa de antigos problemas, cujos recursos públicos foram anunciados e repassados em ano eleitoral com o discurso de que seriam solucionados. É necessário que alguém dê uma satisfação à sociedade, pois trata-se de uma questão séria, que exige ações dos órgãos de controle.

E a mesma realidade de descaso e descaramento político se repete na principal rodovia federal do Estado, a BR-174, historicamente abandonada, mas com o desprezo seguindo mais forte ainda nos últimos quatro anos em um governo comandado por um presidente que sempre discursava que o Estado de Roraima era a “menina dos seus olhos”. Com a chegada do inverno, o cenário só piorou este ano.

O que surpreende nessa questão é que, no mesmo momento em que as chuvas se intensificavam em Roraima, uma parlamentar anunciava que fora ao Ministério do Transporte cobrar a pavimentação da estrada entre Roraima e o Porto de Georgetown, na Guiana, como se no Estado não houvesse outra prioridade. E isso sem contar que aquele país agora, como a nova fronteira do petróleo, tem todas as condições de realizar tal obra, caso fosse de seu interesse estratégico.

Enquanto isso, com as chuvas dos últimos dias, o trecho norte da BR-174, perto da fronteira com a Venezuela, no Município de Pacaraima, ficou intragável desde segunda-feira. O trânsito ficou interrompido porque carretas não conseguem mais subir a serra, já que não há mais asfalto, com a estrada se tornando um atoleiro intransponível. No trecho entre Boa Vista e Amajari, as crateras só aumentam a cada chuva. A situação é de calamidade, mas sem despertar a atenção das autoridades.

No trecho sul da mesma BR-174, especialmente dentro da Terra Indígena Waimiri-Atroari, entre Amazonas e Roraima, obras paliativas estão sendo realizadas. Do lado amazonense, o leito da estrada está sendo revestido com paralelepípedo antes do aterro com piçarra. Do lado roraimense, os buracos são tapados com barro e pedra, o que pode complicar com as fortes chuvas que estão caindo.

Um paliativo que não alivia o sofrimento e prejuízo. Mas tudo isso tem causado zero preocupação por parte das autoridades. Inclusive, o vice-governador, que acumula o cargo de secretário de Infraestrutura, está em Brasília em um evento festivo com industriários, como se nada estivesse ocorrendo de grave em Roraima. Não existe ninguém alarmado com o estado de calamidade. Porque não há uma preocupação com o que o povo está passando. Preocupação mesmo só no ano que vem, quando começa a campanha eleitoral municipal. Até lá, que se dane o povo.  

*Colunista

** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV