Jessé Souza

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Da ida ao leito do HGR a um passeio no governo biônico da década de 1990

Jessé Souza*

A cena do governador Antonio Denarium no Hospital Geral de Roraima (HGR), visitando os indígenas Yanomami baleados por milícias garimpeiras no sábado passado,  foi apenas uma estratégia publicitária para tentar limpar sua imagem de defensor incondicional do garimpo, conforme ele anunciou durante sua campanha eleitoral no primeiro mandato e reafirmou ao assumir o seu segundo mandato, quando discursou na Assembleia Legislativa afirmando que sua prioridade será legalizar o garimpo fora de terras indígenas.

Mas Denarium é só mais um dentro do grande projeto de avançar com a exploração mineral a qualquer custo. O que vemos hoje, uma guerrilha declarada dentro da Terra Yanomami, desta vez sob o comando de milícias fortemente armadas, é o reflexo do que foi arquitetado no passado, quando forças poderosas tentaram solapar a Amazônia para que todas as fronteiras fossem abertas para grandes empresas mineradoras e madeireiras, além de todo o tipo de grileiros com grande poder aquisitivo.

Houve um projeto que começou a ser arquitetado na década de 1980 e colocado em prática a partir da década de 1990, quando o então ex-presidente da Funai, Romero Jucá, foi escolhido para vir para o então Território Federal de Roraima por indicação do governo militar, abonado pela família do ex-presidente José Sarney, com a missão de abrir a Amazônia para a mineradora Paranapanema.

Como governador biônico, Jucá não conseguiu levar sua missão para frente conforme planejado, pois teve que se render e se aliar às forças mineradoras regionais, que estavam bem organizadas. Então Jucá apresentou o Projeto Meridiano 62, que contemplava a organização da garimpagem na Terra Yanomami dentro de pequenas ilhas idealizadas pelo Projeto Calha Norte. Começava ali uma das maiores disputas para instalar o garimpo predatório e eliminar quaisquer obstáculos, incluindo aí as populações Yanomami.

De lá para cá, apenas oscilaram os personagens, mas os interesses seguem os mesmos, com governadores, deputados e senadores elegendo e se reelegendo com o discurso em defesa do garimpo – mas isso só no discurso mesmo, pois a defesa é pela abertura da mineração para grandes empresas ou para suas próprias. Um deputado federal elegeu e se reelegeu prometendo legalizar o garimpo, mas só na garganta. Hoje ele nem fala mais nisso. Jucá elegeu e se reelegeu com esse discurso.

O exemplo da exploração política do garimpeiro pobre é que o sindicato da categoria é comandado por um personagem que nunca pegou numa bateia, mas que sempre viveu de indicações políticas, seja no Palácio do Governo ou na Assembleia Legislativa, ou ajudando nas manifestações de grandes produtores de arroz de um passado não muito distante.

Nos últimos quatro anos, uma nova força surgiu nessa disputa: o crime organizado, que viu o Governo Federal abrir todas as portas para a invasão garimpeira, com um governo local sendo defensor dessa política (ou da falta dela). Soma-se a isso os esquemas locais, com políticos que não apenas apoiam, mas exploram o garimpo – e aí não se pode esquecer de um parlamentar federal que teve sua aeronave apreendida em um área de garimpo; ou de um candidato empresário de garimpo que desfilava com helicóptero guinchado na traseira de uma carreta.

Conforme artigos anteriores, é uma nova força miliciana que detém o controle das frentes de garimpo que resistem às ações de desintrusão da Terra Yanomami. Poder de fogo eles já mostraram que têm. E parece que, sob a desculpa de que no garimpo só tem trabalhador pai de família,  também irão encontrar guarida poder político. E poder político é só o que garimpeiros e mineradoras tiveram desde a década de 1990 até os dias atuais.

Uma visita ao HGR não apagará a História…

*Colunista

** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV