Jessé Souza

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Da ‘menina dos olhos’ aos casos que embalam os escândalos dos últimos dias

Jessé Souza*

Qualquer roraimense minimamente informado sabe que Jair Bolsonaro, bem antes de ser tornar presidente, não se cansava de chamar o Estado de Roraima como “a menina dos seus olhos”. E era mesmo. Porque ele estava de olho não apenas no potencial mineral, a ponto de ter deixado escancarar o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, mas também mirava esta outrora pacata terra como um experimento para os seus planos futuros.

Na verdade, os fatos começam bem lá atras, mas como não há espaço para fazer uma regressão histórica, então quem quiser saber mais precisa ler o artigo que esta Coluna publicou no dia 12.10.2022, sob o título “Contextualizando fatos para explicar o que se passa nos dias atuais”. Depois é só saltar para dezembro de 2018, quando Roraima sofreu intervenção federal, cujo interventor foi o então recém-eleito governador bolsonarista Antonio Denarium. Com a intervenção, aportou por aqui um grupo de militares do Exército para ocupar cargos estratégicos.

O Estado chegara ao mais alto grau de descaramento na corrupção naquele ano, inclusive com a Polícia Federal batendo à porta da casa do filho da governadora da época. E a corrupção, que já era sistêmica na Secretaria Estadual de Saúde (Sesau), seguiu em 2019, com o primeiro secretário do governo Denarium tendo renunciado e denunciando a corrupção em sua rede social. E foram mais de dez secretários de Saúde substituídos, e um deles que assumiu a Sesau foi o coronel Elcio Franco Filho, o mesmo que está sendo citado na imprensa nacional por envolvimento na trama golpista no governo Bolsonaro.

O coronel Elcio Franco teve uma passagem relâmpago à frente da Sesau, nomeado em 03 de abril de 2019 e exonerado em 17 de junho, mas o suficiente para dar início ao processo de compra de medicamentos, no valor de R$ 45 milhões, da empresa a Tidimar Comércio de Produtos Médicos Hospitalares Ltda, de Minas Gerais. O contrato, com verbas do Ministério da Saúde, acabou sendo assinado um ano depois, em maio de 2020, quando o coronel já era homem de confiança do então ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello.

E aqui começa outro enredo, pois Pazuello foi outro militar que aportou por aqui depois que coordenou as tropas do Exército nos Jogos Olímpicos do Brasil em 2016. Ele entrou na Operação Acolhida em março de 2018, um mês após seu início de acolhimento de venezuelanos que até hoje chegam em massa em Roraima. Pazuello alcançou o cargo de coordenador em 2020, cujo custo das operações chegava a R$ 14 milhões por mês, ou seja, um gasto de R$500 mil por dia!

Depois, Pazuello se tornou o homem de confiança de Bolsonaro para comandar o Ministério da Saúde no auge da crise da pandemia da Covid-19. Junto com sua equipe formada em sua maioria por militares, entre eles o coronel que foi secretário da Saúde em Roraima, Elcio Franco, todos passaram a ser investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. O caso que gerou o escândalo foi o das negociações suspeitas envolvendo doses de vacinas da AstraZeneca, com suspeitas de superfaturamento apontando militares e um pastor.

As compras com suspeitas de superfaturamento ainda incluíam testes de Covid e até preservativos. Os casos estavam ligados ao coronel Elcio Franco, que era secretário executivo de Pazuello no Ministério da Saúde, o mesmo que atualmente teve áudios vazados na trama golpista que está sendo investigada pela Polícia Federal, junto com outros militares, conforme  foi destaco neste artigo.

Então, de Roraima saíram esses membros do núcleo duro de militares de confiança do governo Bolsonaro, os quais sempre agiram sem se preocupar com as consequências de seus atos. Da mesma forma que agiu o grupo de extremistas que tentaram explodir uma bomba caseira no Aeroporto de Brasília. E da mesma forma que agiram todos os golpistas quando invadiram a Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro.

Os desenrolar dos fatos mostram que era esse o significado de o Estado de Roraima ter sido chamado de  “a menina dos olhos”. Porque aqui continua sendo terra fértil para a corrupção e para todos os tipos de crimes, a exemplo do que está ocorrendo na Terra Yanomami na corrida pelo ouro e cassiterita. E da mesma forma seguimos como o Estado dos apagões na energia, na internet, na água encanada, na educação, na saúde…

*Colunista