Ação de cassação do governador, os precedentes e o conjunto da obra
Jessé Souza*
O maior fato político dos últimos tempos começou o enredo ontem, quando o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) deu início ao julgamento da ação que pede a cassação do mandato do governador Antonio Denarium. A sessão foi suspensa após pedido de vistas já com dois votos favoráveis à cassação por abuso de poder econômico. A acusação é de o governador ter usado eleitoralmente o programa Cesta da Família, recriado em janeiro de 2022, após mudar o nome do programa social já existente em governos anteriores e de ter turbinado o número de beneficiários.
A ação diz que o número de beneficiários saltou de 10 mil para 50 mil inscritos. Tudo em um ano eleitoral em que Denarium concorreu à reeleição. Não se pode esquecer que este mesmo programa social foi alvo da Polícia Federal, nas eleições municipais de 2000, com apreensão de fichas cadastrais no dia 8 de novembro, após denúncia de deputados de oposição sobre suspeita de crime eleitoral para beneficiar a candidatura a prefeito apoiado pelo governo. No dia 14 seguinte, a PF 10 mil cestas básicas que supostamente seriam usadas para compra de votos.
Precedentes sobre cassação por abuso de poder econômico e político já houve no passado, quando o então governador Flamarion Portela (atual chefe da Casa Civil de Denarium), teve a cassação confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2004, por ter aumentado o valor do Vale Alimentação (o embrião do Cesta da Família) e de ter concedido anistias e parcelamento fiscais. Foi uma cena muito semelhante ao que ocorreu nas eleições passadas. Um festival.
Na campanha de reeleição de Denarium, que venceu com folga logo no primeiro turno, houve uma série de denúncias, entremeadas por operações da PF. Houve até denúncia de que o governo usou a Polícia Militar para monitorar e intimidar adversários, o que foi procedida de uma operação da PF que investigou a participação de policiais civis e militares em um esquema de compra de votos, em setembro. Além de busca e apreensão na casa de policiais, agentes federais foram à casa de um PM que fazia a segurança de um empresário considerado o operador financeiro da candidatura governista.
Não se pode esquecer que, enquanto o povo se divertia no Arraial Junino do Parque Anauá, faltando menos 100 dias para as eleições, em junho, o governo repassou R$70 milhões em recursos extras para 12 municípios do interior. Além de ter anunciado quase R$105 milhões em contratos direcionados para supostamente realizar serviços nos 15 municípios.
Também não pode ser esquecido o episódio do terreno do complexo do Ginásio Totozão, no Parque Anauá. Às vésperas das eleições, o governo decidiu pagar pela desapropriação do terreno em um acordo extrajudicial e sem respeitar a ordem cronológica de pagamento, por se tratar de um precatório. Mesmo com uma ação judicial tramitando junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o governo fez um acordo que resultou no “pagamento amigável” da primeira parcela de R$22,6 milhões do total de R$ 45,6 milhões da indenização, pagamento este que a Justiça mandou estornar, mas o banco informou que o dinheiro já não estava mais na conta.
Isso só para lembrar os casos de ampla repercussão nas eleições passadas, o que mostra que o governo Denarium reúne todos os predicados pelo conjunto da obra. No entanto, caso o governador seja cassado, ele poderá recorrer no cargo, como ocorreu com Flamarion em uma longa e dispendiosa disputa judicial. Da mesma forma que ocorreu com o então governador Anchieta Junior, cassado duas vezes no período de onze meses, em 2011, com ampla distribuição de camisas amarelas e circulação farta de carros fortes para pagar cabos eleitorais em dinheiro vivo.
Somos sabedores do que ocorre quando temos governadores cassados recorrendo no exercício do cargo. O Estado vem sendo punido severamente pela corrupção e, mais ainda, pela morosidade da Justiça em julgar as ações o mais breve possível. Quando um governador cassado segue no mandato, surge uma grande instabilidade política, descontinuidade de ações governamentais, intensa briga política e intrigas de toda espécie, com sérios reflexos na economia.
Devemos nos preparar o para o pior…
*Colunista
** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV