América do Sul e suas veias abertas
Sebastião Pereira do Nascimento*
A América do Sul, desde os tempos coloniais vem sendo alvo de cobiça de países economicamente desenvolvidos, sobretudo pelos países da Europa e pelos Estados Unidos. Diante disso, ainda no início dos anos 1970, o escritor uruguaio Eduardo Galeano abordou no seu memorável livro “As Veias Abertas da América Latina” a seguinte pauta:
“…A América Latina nasceu para obedecê-los, quando o mercado mundial ainda não se chamava assim, e aos trancos e barrancos continuamos atados ao dever de obediência. […] “Segundo a voz de quem manda, os países do sul do mundo devem acreditar na liberdade de comércio (embora não exista), em honrar a dívida (embora seja desonrosa), em atrair investimentos (embora sejam indignos) e em entrar no mundo (embora pela porta de serviço). Essa triste rotina dos séculos começou com o ouro e a prata, e seguiu com o açúcar, o tabaco, o guano, o salitre, o cobre, o estanho, a borracha, o cacau, a banana, o café, o petróleo… O que nos legaram esses esplendores? Nem herança, nem bonança. Jardins transformados em desertos, campos abandonados, montanhas esburacadas, águas estagnadas, longas caravanas de infelizes condenados à morte precoce e palácios vazios onde deambulam os fantasmas. Agora é a vez da soja transgênica, dos falsos bosques da celulose e do novo cardápio dos automóveis, que já não comem apenas petróleo ou gás, mas também milho e cana-de-açúcar de imensas plantações. Dar de comer aos carros é mais importante do que dar de comer às pessoas. E outra vez voltam as glórias efêmeras, que ao som de suas trombetas nos anunciam grandes desgraças…”.
Fortalecendo essas adversidades, observamos nas veias políticas da América do Sul, líderes que procuram polarizar os sistemas governamentais sul-americanos, trazendo à luz uma retórica que, na maioria das vezes, inviabiliza um debate sério sobre as graves questões regionais. Os governantes, independentes da orientação ideológica, têm adotado uma política esfacelada que pode ser conveniente entre seus pares, mas que dificulta o diálogo com outros governos, tornando-se difícil alcançar um equilíbrio social e econômico para o continente sul-americano.
Tudo isso abre espaço para a multiplicação dos diversos problemas nos países da região, tendo como agravante o aumento da pobreza na região, a desigualdade social, a concentração de riqueza, a imigração em massa, além de outras violências sociais como a violência praticada por muito governantes, sobretudo, quando negam os direitos e garantias dos povos e limitam a liberdade de expressão e as cláusulas fundamentais dos direitos humanos.
Diante de tudo que assistimos em alguns países da América do Sul, observamos nos braços de alguns governantes extremistas (como na Venezuela ou no Brasil, durante o governo de Jair Bolsonaro) ou conservadores (como no governo do Uruguai), atitudes hostis que, em função de algumas resistências, resultam em graves conflitos sociais e políticos. Na atualidade, esses movimentos ganharam corpo e alma espalhando o ódio e diversas formas de preconceitos: político, religioso, racial, etc., que resultam em brutais violências sociais.
Dessa maneira, os extremos ideológicos se ampliam na América do Sul, onde até mesmo governantes mais moderados distorcem fatos ou abraçam ideias duvidosas, em vez de demandarem propostas profusas na tentativa de resolver as questões regionais. Esses governantes respondem de acordo com suas convicções ideológicas, alimentando uma polarização política que gera mais instabilidades entre as nações sul-americanas. Essa política desorientada é agravada ainda por interesses de governos beligerantes que seguem atitudes que beiram o golpismo (como do dia 8 de janeiro), muitas vezes com respaldo de uma parte do povo que acredita na ideia de mudança, sufocando a maioria da população.
Mas, ainda que não sejam beligerantes ou conservadores extremistas, há também outros governos que praticam suas ideologias alicerçadas em falsas narrativas, como o caso do atual governo brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva, que voltou a defender e afagar — com luvas de pelica —, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que faz na Venezuela um governo ditatorial, perseguindo opositores, cerceando o espaço da imprensa livre, além de colocar na cadeia ou executar seus oponentes apenas por questão de consciência política. Um governo corrupto, malevolente e violador dos direitos humanos que edificou em seu país a mais grave situação econômica e social da história da Venezuela.
Portanto, Lula deve entender que, se quer que o Brasil tenha um papel de liderança frente à América do Sul, deve partir do princípio de construir suas ideias políticas baseadas na realidade e não com declarações que podem ser definidas, no mínimo, como desastradas, as quais inviabilizam qualquer tentativa de querer melhorar, tanto as relações com os países vizinhos ou mesmo fazer com que governantes autoritários possam cancelar suas atitudes tirânicas — aqui é importante ratificar que o autoritarismo do governo venezuelano não se trata de uma narrativa construída pelos adversários, como disse o Lula, mas, sim, trata-se de uma realidade inquestionável.
Por outro lado, isso não quer dizer que os países democráticos não devam se relacionar com esses governos ditadores. Devem, sim, inclusive, para tentar colocar nos contratos comerciais ou nos acordos geopolíticos regionais cláusulas que asseguram o sistema democrático. É nesse perfil que deveria o governo brasileiro se reaproximar com a Venezuela, mas, daí dizer que o regime ditatorial na Venezuela é uma democracia ou uma falsa narrativa, é antes de tudo uma hipocrisia e uma afirmação absolutamente inaceitável, principalmente no atual momento em que estamos tentando sair de uma poça de lama deixada pelo governo de Jair Bolsonaro e seus comparsas.
Portanto, seria importante trazer novamente outros encontros com líderes sul-americanos — no modo em que ocorreu esta semana —, mas que sejam encontros assertivos para tratar efetivamente de questões comuns, no sentido de consolidar a democracia na região, aprofundar as cooperações regionais, defender os direitos humanos, reduzir as desigualdades sociais, promover a integração econômica e atuar no combate à violência e ao crime organizado. No encontro desta semana, foi fácil notar o esvaziamento das ideias propositivas, sobretudo em função das ilógicas narrativas feitas por Lula, que perdeu oportunidade de consolidar sua liderança política na América do Sul e propor de forma definida, ações que assegurem o desenvolvimento das nações vizinhas e a liberdade de escolha dos povos sul-americanos. Por outro lado, a América do Sul sem um líder com capacidade de mediação, seguirá presa às amarras do embate ideológico e refém dos países desenvolvidos.
*Filósofo, consultor ambiental e escritor.
A Luta das Mulheres não começou de hoje …
Kezia Valentina
A luta feminina trouxe diversas mudanças à sociedade, como o direito das mulheres estudarem, trabalharem e terem sua própria casa, o que não era considerado normal nos anos 1960. No entanto, apesar das conquistas pelos direitos iguais, dados recentes mostram que ainda é possível observar condutas machistas, divulgadas pelo Fórum Brasileiro, que relataram que em 2022, 30 milhões de mulheres foram vítimas de algum tipo de assédio. Mesmo diante desses dados alarmantes, ainda há pessoas que acreditam que o machismo não existe mais em nossa sociedade e que homens e mulheres vivem em igualdade.
Os dados estatísticos alarmantes sobre casos de assédio e feminicídio comprovam que alguns homens ainda possuem um pensamento retrógrado que os coloca como superiores às mulheres, quando sabemos que ambos são capazes de realizar as mesmas coisas. Ditados como “você é muito bonita para ser inteligente” são frequentemente utilizados e insinuam que o papel da mulher é agradar aos homens, além de sugerir que elas não podem ter mais do que uma qualidade. O ditado “lugar de mulher é na cozinha” também reforça a ideia de uma estrutura patriarcal, na qual o trabalho doméstico é considerado exclusivamente função da mulher.
Na atualidade, outras formas de desprezo às mulheres são observadas por meio de piadas, memes e músicas. Músicas que, por serem consideradas “românticas” ou terem “uma boa batida”, normalizam letras que objetificam o corpo das mulheres, as colocam como submissas e incitam a violência. A música “um tapinha não dói”, do Bonde do Tigrão, é um exemplo claro disso, assim como a música “Vidinha de balada”, de Henrique e Juliano, que demonstra o poder que o homem acredita ter sobre a mulher.
Trechos como “vai namorar comigo sim” e “se não quiser, vai casar também” foram amplamente criticados pela mídia por serem considerados agressivos e possessivos.
Uma pesquisa confirmou que músicas misóginas aumentam a agressividade dos homens, principalmente quando eles crescem ouvindo esse tipo de letra. Portanto, como disse Pitágoras: “Eduquem as crianças para que não seja necessário punir os homens”. É importante que desde cedo as crianças e adolescentes sejam ensinados, tanto nas escolas quanto em casa, sobre o impacto que a música tem em nossas vidas. Além disso, é necessário a criação de leis que punam as pessoas que produzem músicas com letras que incitam ódio e violência, além de conscientizar a sociedade sobre o tema por meio de publicidade e mídia.
Kezia Valentina, aluna da terceira série do ensino médio da Escola Militarizada Prof Camilo Dias. Desenvolveu o artigo para a disciplina de Língua Portuguesa, ministrado pelos Professores Estagiários do Programa Residência Pedagógica do curso de Letras – Português da UFRR.
Comecemos pelos pontos
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Os pontos de cultura são a Bolsa-família das entidades, dos valores, dos significados e da imaginação criativa dos que são maioria, mas tinham se tornado minoria silenciosa”. (Emir Sader)
Não há como procurar uma justificativa para o sepultamento dos “Pontos de Cultura”. Porque explicações nunca faltaram. E cabeças vazias para as aceitar, também não. Ainda não fomos educados o bastante para sermos capazes na distinção entre educação e cultura. E isso na maneira de vermos a educação. Talvez o investimento no movimento dos Pontos de Cultura tenha preocupado e aborrecidos os que estão no pensamento do Gaston Bouthoul: “Reconhece-se um país subdesenvolvido pelo fato de nele ser a política a maior fonte de riqueza”. Talvez seja este o motivo de termos nos afastado da cultura, com o descaso ao movimento dos Pontos de Cultura. O Emir Sader escreveu um livro fantástico sobre o assunto.
Vamos respirar forte e tentar acordar a sociedade brasileira para a necessidade de mudarmos o rumo do barco em direção à cultura, para que possamos um dia sermos verdadeiramente cidadãos. E é bom que você comece a pensar nisso, porque não há cidadania sem educação. E sem educação nunca seremos capazes para entendermos que devemos ser cidadãos e não títeres mascarados de cidadãos. Vamos pensar mais em nós mesmos e fazermos o que devemos fazer, que é nos valorizarmos. Só aí voltaremos a descobrir grandes artistas que continuam jogados para minoria silenciosa.
Precisamos sair do marasmo da cultura, para nos livrarmos dos blá-blá-blás que nos atormentam no dia a dia de nossas vidas. As vidas estão se tornando uma bola-de-neve. Rola, rola, e acaba se desmanchando inutilmente. Que é o que estamos vendo mundo a fora. Pelo que vejo, nós, brasileiros, estamos começando a descer pela ribanceira do inútil. Vamos movimentar a cultura no Brasil. E esta está onde nem percebem. Muitas vezes nos lugares mais simples e que por isso foram jogados no baú silencioso. Nossas escolas precisam começar a ensinar os alunos a distinguirem a diferença entre cultura e exibicionismo e conhecimentos.
Ontem fiquei surpreso com um papelzinho que encontrei dentro de um livro. Era um pedacinho do Folha-bv, quando ainda era impresso. Mas, como não tenho mais espaço, prometo que falarei dele amanhã. Prometo, porque é muito simples, mas muito interessante pela importância na sua simplicidade. Mando aqui um abração para o autor da matéria que na sua simplicidade me encantou. Não conheço a autor, mas guardarei esta matéria no baú da felicidade. Você poderá até me chamar de boboca, mas não estou nem aí. Pense nisso.
99121-1460