Cotidiano

Fraudes no Iteraima favoreceram alta sociedade, diz Polícia Federal

Com anuência da cúpula do Iteraima, emissão irregular de títulos de terra beneficiou autoridades, médicos e empresários

A Polícia Federal (PF) deflagrou, na manhã de ontem, a Operação Vassalagem, com o objetivo de desarticular a organização criminosa que atuava dentro do Instituto de Terras de Roraima (Iteraima), órgão responsável por gerenciar a concessão de terras no Estado. Além de Roraima, a ação foi desencadeada nos estados do Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco e São Paulo.

Foram cumpridos 79 mandados de busca e apreensão e conduções coercitivas, sendo 52 delas no Estado. Conforme o delegado da PF, Alan Robson Ramos, a investigação foi iniciada em 2013, apontando fortes indícios de fraudes na regularização fundiária, originando um esquema de grilagem de terras em todo o Estado.

“O inquérito foi instaurado com base em cerca de 400 processos referentes a transferência de terras da União para o Estado, no período de 2009 a 2013. Trabalhamos na análise dos processos, como laudo pericial, imagem de satélite e dados estatísticos, quando foi constatado que houve uma série de fraudes que beneficiou pessoas escolhidas pontualmente pelo alto escalão do Iteraima”, comentou.

Segundo o delegado, além do envolvimento de servidores da cúpula administrativa do instituto à época dos fatos, o esquema envolvia ainda a participação de outros funcionários, como vistoriadores, engenheiros e técnicos, além de médicos e empresários da “alta sociedade roraimense”. Os nomes dos envolvidos não foram divulgados.

“Com a análise de todos os materiais coletados durante investigações anteriores, foi constatado que o esquema beneficiava servidores do alto escalão do Iteraima, que eram as pessoas que tinham o poder de deferir a posse da terra, e esses contavam com a ajuda dos agrimensores e vistoriadores, que são servidores do instituto responsáveis por fazer a verificação in loco. Esses servidores confirmavam que essas terras estavam sendo exploradas e incluíam esses falsos dados em documentos oficiais, o que caracterizou o esquema de grilagem. Os principais beneficiados eram pessoas influentes da alta sociedade, que acabavam conseguindo a posse dessas terras de forma fraudulenta”, explicou.

Lotes no meio da selva eram titulados para legalizar desmatamento na Amazônia

A PF confirmou que o esquema resultou em um prejuízo estimado em R$ 30 milhões. Muitas das áreas tituladas ficam em áreas de difícil acesso, o que reforça a tese de que essas terras eram utilizadas para a atividade madeireira. Vale ressaltar que, no final do ano passado, a PF desencadeou a Operação Xilófagos, com objetivo de desarticular esquema de desmatamento ambiental em áreas indígenas e áreas de preservação permanente (APP).  

“Avaliando a terra, sem benfeitorias, totaliza cerca de R$ 30 milhões. Muitas dessas áreas não possuem acesso por terra ou por rio. Ou seja, são propriedades no meio de selvas. Estas, por sua vez, são utilizadas somente para emissões fraudulentas de documentos de origem florestal, justificando o desmatamento da Amazônia. Tendo ainda indícios de que pessoas que nem moram no Estado, que nunca nem chegaram aqui, constando como são latifundiários de Roraima”, disse o delegado Alan Robson Ramos.

Esquema usava ‘laranjas’

Durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão nos bairros da Capital, os agentes constataram o envolvimento de “laranjas”. Houve ainda prisões em flagrante por porte ilegal de armas, mas o delegado não soube informar o quantitativo exato de detenções.
“Vale destacar, também, que durante as ações, das poucas pessoas que moravam em bairros mais pobres, em casas mais simples, ficou esclarecido que a atuação dessas pessoas era meramente como ‘laranjas’. Ou seja, muitas delas afirmaram que receberam uma quantia em dinheiro de ‘pessoas grandes’ somente para colocar o nome nos documentos. São os grandes conseguindo mais terras com os pequenos”, frisou.

CONCLUSÃO – Com a apreensão de novas provas, o delegado Alan Robson Ramos acredita que o inquérito do caso deverá ser concluído em 30 dias. Ele ressaltou que todas as pessoas conduzidas à PF deverão ser indiciadas pelo crime de falsificação de documentos, além de crime cometido contra o meio ambiente.

“A operação foi concluída. Foram ouvidos os servidores e falta apenas analisar esse material apreendido nas residências. Concluído esse procedimento, o mesmo será remetido à Justiça Federal para a aplicação da lei. Tendo as penas de cada tipo penal determinadas,  a decisão será do Judiciário”, concluiu.

Governo afirma que está contribuindo com a Justiça

Por meio de nota, o Governo do Estado afirmou que os fatos investigados pela Operação Vassalagem ocorreram de 2009 a 2013, de modo que não existe nada relacionado à atual gestão. Ressaltou que tem contribuído com a Justiça, “pois tem todo o interesse que os fatos investigados pela operação sejam apurados e que os responsáveis sejam punidos na forma da lei”.

Afirmou que vem adotando todas as providências necessárias para cumprir as exigências do Decreto 6.754/09, que transferiu as terras da União para Roraima, e suspender as restrições judiciais herdadas das gestões passadas, para que possa, finalmente, dar início “ao maior programa de regularização fundiária do Estado, garantindo segurança jurídica aos produtores que há décadas esperam pelo documento da terra”.

“Uma das primeiras medidas adotadas no início deste ano foi a realização de auditoria no Iteraima, para revisão dos cerca de 700 processos que resultaram na emissão de títulos pelas gestões anteriores, visando a anulação nos casos de comprovada ilegalidade ou a convalidação dos documentos em benefício dos ocupantes de boa-fé que preenchem os requisitos legais para obter o título definitivo”, frisou o governo.