Moradores da região do Bom Intento, localizado na zona rural de Boa Vista, na saída para a Venezuela, denunciaram à Folha que uma enorme área invadida por milhares de famílias, no ano passado, está crescendo de forma desordenada para a próxima das margens do igarapé Água Boa de Cima, que deságua no Rio Branco, que é uma área de proteção ambiental.
As casas construídas pelos invasores começam nos arredores do Centro Socioeducativo (CSE), para onde são enviados menores infratores, e chegam próximas de uma área utilizada como centro de treinamento para tiro do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar.
A equipe de reportagem da Folha percorreu a invasão, na manhã de ontem, e constatou a expansão da área. Próximo ao igarapé, os ocupantes desmataram parte da vegetação e começaram a levantar os barracos improvisados de madeira e lonas. No local, que mais se parece com um acampamento a céu aberto, pelo menos 50 barracos estavam sendo construídos, alguns na beira do igarapé, na mata ciliar.
À Folha, um morador, que preferiu não se identificar, afirmou que os barracos começaram a ser montados há alguns dias. “Não tem responsável. Nessa parte já tem uns 15 dias que os barracos começaram a ser montados. Por enquanto, é de forma provisória, mas tem muita gente que já está morando aqui”, disse.
Enquanto aguardam a regularização da área, denominada pelos invasores de “Pedra Pintada”, junto ao Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima), as 3,2 mil famílias que ocuparam o terreno, em outubro do ano passado, já substituíram a maior parte dos barracos por casas de alvenaria.
Além das casas de alvenaria, que já são maioria, no local também existem vários estabelecimentos comerciais fixos, como padarias, supermercados e até lojas de materiais de construção e madeireiras.
Destruição da mata ciliar causará danos irreversíveis, diz especialista
O especialista em recursos hídricos e professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Vladimir de Souza, afirmou que o terreno próximo ao igarapé faz parte de uma Área de Preservação Permanente (APP) e, portanto, não poderia ser invadido. “Poderia haver uma invasão em qualquer outro lugar, menos na beira do rio. Aquilo é uma área de preservação. Mas é bom que se divulgue que é uma área bem sensível”, alertou.
Conforme ele, a destruição da mata ciliar do igarapé pode causar danos irreversíveis ao meio ambiente. “Pode ter um assoreamento do rio, ainda mais se resíduos sólidos forem despejados ali. É uma coisa grave e são danos irreversíveis que irão afetar a qualidade da água do rio”, frisou.
GOVERNO – Em nota, o Governo do Estado esclareceu que, em relação à região do Bom Intento, o Iteraima já realizou levantamento ocupacional de parte da área onde estão as famílias, avaliando se as pessoas que ali se encontram se enquadram nos critérios exigidos pela lei de regularização fundiária rural. Conforme frisou, está previsto, até meados de fevereiro, que o órgão finalize o levantamento do restante da área. (L.G.C)
BOM INTENTO
Terrenos são colocados à venda por invasores
Na certeza de que irão permanecer na enorme área invadida na região do Bom Intento, na zona rural de Boa Vista, alguns lotes do terreno, que pertence ao Governo do Estado e ainda não possuem construção, são anunciados para vendas pela internet e nos Classificados do jornal.
Conforme apurou a Folha, cada lote demarcado possui uma área de 15 por 20 metros. O preço de cada terreno varia de R$ 5 mil a R$ 10 mil, mais parcelas, que serão pagas ao vendedor. À vista, os invasores chegam a cobrar até R$ 40 mil por um pedaço de terra na área, mas não apresentam título de propriedade ou qualquer outra documentação que comprove a posse.
A invasão não atrai muitos interessados na compra dos terrenos. Como a área não foi regularizada, nem pelo governo e nem pela prefeitura, não possui rede de esgoto ou de energia. Para não ficarem às escuras, os invasores fizeram várias ligações clandestinas, os chamados “gatos”.
A Folha ligou para dois invasores que anunciaram a venda de lotes na região. Um deles, que não se identificou, negou que a área não tenha documentação. “Eu estou pedindo R$ 10 mil e mais 36 parcelas de R$ 300,00. É uma área documentada e titulada. Fica na invasão, mas é uma área particular”, alegou.
Questionado sobre valores e documentação do lote, o outro vendedor, que também não quis se identificar, informou que já havia vendido o terreno. “Já vendi. Não tinha documento. Todo mundo sabe que é uma invasão, então, compra quem quer”, disse.
A delegada do Conselho Regional de Corretores de Imoveis da 18ª Região (Creci AM/RR), Rosimeyre Malinowsky, alertou à população para que não compre terrenos naquela invasão. “Estão vendendo a posse, mas não podem ver a propriedade porque não possuem documento algum. Quem comprar um terreno desse, vai se arriscar a perder e, com certeza, terá prejuízo”, afirmou.
Conforme ela, a área não possui nenhuma garantia de que será repassada aos moradores. “Ganharam ali no grito, mas ninguém tem garantia de que serão donos. É melhor a pessoa evitar dor de cabeça, danos e transtornos, porque aquilo virou uma empresa de invasão. Tem gente grande envolvida nisso e os mais pobres acabam sendo prejudicados”, alertou.
GOVERNO – Em nota, o Governo do Estado esclareceu que as pessoas que souberem de alguma situação irregular, como a relatada em relação à venda de terras públicas, é preciso formalizar a denúncia no Iteraima para que seja apurada. “Caso a pessoa esteja ocupando a área irregularmente, o Iteraima notifica a mesma para que a mesma se retire, e se houver a comprovação da venda, o órgão comunica a autoridade policial”, frisou. (L.G.C)