O seguro DPVAT é usado para indenizar as vítimas do trânsito, mas em Roraima há gente que caiu de uma escada e recebeu o valor. Outro se contundiu jogando bola e também recebeu. Até quem caiu de cavalo no interior do Estado conseguiu o seguro. A Folha investigou, por duas semanas, e descobriu que a maioria dos fraudadores atua na entrada no Pronto Socorro Francisco Elesbão, anexo ao Pronto Atendimento Airton Rocha, no bairro Aeroporto, zona Norte. No local, eles abordam os acidentados e fazem propostas de vantagens financeiras para que eles recebam o seguro, mesmo de forma fraudulenta.
Os agentes são contratados por empresas de seguro para abordar o paciente ou algum familiar dele na entrada do hospital, onde lá mesmo eles já fazem a proposta, informando à pessoa ferida por algum motivo que ela pode receber o seguro, caso informe ao médico que o acidente ocorreu no trânsito. Após o acidentado receber o atendimento, o agente pega a guia ou o prontuário médico e dá entrada no seguro. A Folha constatou que, na maioria dos casos, não há perícia médica para confirmar se a vítima realmente sofreu um acidente de trânsito, por isso os fraudadores conseguem liberar o seguro sem dificuldade.
Outra irregularidade é que as abordagens também ocorrem dentro do hospital, onde eles entram com facilidade. Nem mesmo quem está no leito escapa da ação dos fraudadores. Muitas vítimas são abordadas minutos após o atendimento médico. Servidores do hospital revelaram à Folha que esses agentes chegam a brigar entre si, dentro do hospital, disputando os pacientes.
“Já denunciamos o caso à direção do Pronto Socorro, mas essas pessoas continuam entrando logo atrás dos acidentados, que muitas vezes já estão acamados. Eles convencem a vítima e pedem o prontuário médico. Depois pegam o contato telefônico e saem. Não sabemos se a pessoa é parente da vítima ou não, por isso fica difícil impedir a ação desses fraudadores aqui dentro”, revelou um servidor do hospital que preferiu não se identificar. (AJ)
Fraudadores compram fichas e prontuários de acidentados
Quem trabalha no setor administrativo do hospital acaba sendo cooptado pelos agentes, que pagam até R$ 50,00 por prontuário e R$ 30,00, por ficha de atendimento de cada paciente, pois, com as informações na documentação, os fraudadores entram em contato e convencem a vítima a participar do golpe.
“Estava jogando bola e torci o tornozelo. Então, fui ao Pronto Socorro e lá recebi atendimento médico e a alta. Três dias depois, um homem me ligou e fez a proposta. Ele disse que era corretor de seguros e me perguntou se eu queria ganhar um dinheiro. Aí eu respondi que sim, claro. Então ele foi em casa com uma cópia do meu prontuário médico e eu assinei uma procuração. Dois meses depois, ele me deu R$ 200,00. Disse que era o dinheiro da indenização. Só não sei como ele fez para conseguir o dinheiro”, relembrou o paciente.
As indenizações pagas pelo Governo Federal variam de R$ 337,00 a R$ 13.500,00. O valor da indenização depende das condições do acidentado. Quanto mais grave o seu estado de saúde, maior é o valor do seguro. Há uma tabela nacional que especifica os pagamentos. No caso de escoriações e pequenas fraturas, o DPVAT paga R$ 375,00, mas quando a vítima morre ou fica inválida, o valor sobe para R$ 13.500, teto do seguro.
“Estava trocando uma lâmpada em casa e despenquei da escada. Bati meu braço e fui ao Pronto Socorro. Lá, na portaria, um homem se aproximou e me disse que eu poderia receber um dinheiro. Bastava eu dizer para o médico que eu havia sido atropelado de bicicleta. E foi o que eu fiz. Ele pegou minha guia de atendimento e três meses depois recebi R$ 300,00, dinheiro do seguro”, relatou outro paciente.
FACILIDADE – Conseguir dinheiro do seguro DPVAT é muito simples porque não há fiscalização, nem perícia médica para confirmar se o acidente realmente ocorreu no trânsito. Para receber a indenização, basta conseguir uma guia de atendimento médico ou o prontuário do paciente.
Os fraudadores também conseguem o dinheiro do seguro com a cópia do Boletim de Ocorrência (B.O.), do Relatório de Ocorrência Policial (ROP) e até com a ficha de atendimento do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu). (AJ)
Número de acidentados não bate com o das indenizações
O Governo do Estado esclareceu que, em relação aos atendimentos do Pronto Socorro Francisco Elesbão, foram registradas 891 vítimas de acidente de carro em 2015. Quanto aos acidentes de motocicleta, foram atendidas 7.311 pessoas no ano passado. Os dados foram consolidados até o mês de novembro de 2015. No total, foram 8.207 atendimentos às vítimas de acidente de trânsito em Roraima, apenas no Pronto Socorro.
No mesmo ano, a seguradora nacional Líder informou que pagou 17.583 indenizações para os acidentados no trânsito roraimense. Os números estão longe de bater e, como não há fiscalização na liberação do seguro, as autoridades policiais consultadas pela Folha não souberam precisar o tamanho do rombo em Roraima, mas a Polícia Federal informou que a fraude em todo o País pode chegar a R$ 1 bilhão. Parece muito dinheiro, mas só para se ter ideia, no ano passado, a arrecadação bruta do Seguro no Brasil foi de R$ 8,4 bilhões.
A fraude pode ir além. Familiares de pessoas mortas receberam o seguro DPVAT sem que a vítima tivesse morrido em decorrência de acidente de trânsito. Nesses casos, segundo uma gerente de empresa de seguros, os fraudadores conseguem o atestado de óbito da vítima no Instituto Médico Legal (IML) e pagam até R$ 3 mil pelo documento. A indenização do seguro por morte é de R$ 13.500,00. A Folha não confirmou esta denúncia.
Mas os números apresentados pelo Departamento Estadual de Trânsito de Roraima (Detran) podem confirmar a fraude. No ano passado, foram registrados 3.127 acidentes com 123 mortes. Os dados são de setembro de 2014 a setembro de 2015. Mas, neste mesmo período, a seguradora Líder pagou 170 indenizações a familiares de mortos no trânsito roraimense. Os números não batem novamente.
Um dado alarmante para Roraima é que, do total de acidentados, 76% foram motociclistas, 19% motoristas e 3% pedestres. Dos acidentados com moto, 4% morreram, 82% ficaram inválidos e 14% se feriram sem muita gravidade. A sexta-feira é o dia que ocorre mais acidentem em Roraima, segundo pesquisa da Seguradora Líder. (AJ)
De onde vem o dinheiro
O dinheiro das indenizações vem do seguro obrigatório que o condutor de veículo paga todo ano quando vai legalizar seu carro, moto, ônibus ou caminhão. Todos que se machucam no trânsito têm direito a receber o seguro. A empresa nacional Líder é quem administra o serviço em todo País.
Em 2014, os donos de veículos pagaram no Brasil quase R$ 8,5 bilhões do seguro obrigatório, o DPVAT. Por lei, 45% têm que ir para o Sistema Único de Saúde (SUS) e 5% para o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A outra metade é para pagar as vítimas de acidentes.
No ano passado, o seguro liberou, para todo o País, 33.251 indenizações por morte; 409.248, por invalidez; e 75.805, por atendimentos médicos, que são os casos menos graves de acidentes. Ainda em números nacionais, o DPVAT foi pago 74% para homens e 26% para mulheres. A faixa etária mais acidentada foi entre 25 e 34 anos. (AJ)