Cotidiano

Criado para ser exemplo após invasão, São Bento ainda sofre com mazelas

Da antiga lixeira pública nasceu a “invasão Brigadeiro”, que virou bairro há mais de uma década, mas famílias sequer têm posto de saúde

Fundado em 13 de janeiro de 2005, o bairro São Bento, antiga “invasão Brigadeiro”, na zona Oeste da Capital, fez 11 anos. Contudo, as mais de 1.500 famílias que moram no local ainda necessitam de serviços básicos, como água encanada, rede de esgoto e posto de saúde. A Folha foi ontem pela manhã ao bairro e ouviu moradores. Entre os problemas, a principal reclamação é a falta de regularização dos lotes.

A presidente da Associação Comunitária dos Moradores do Bairro São Bento, Isabel de Souza, 37 anos, disse que o Instituto de Terras de Roraima (Iteraima) ainda não repassou as terras do bairro para o Município de Boa Vista, o que impede a titulação da terra.

O bairro nasceu após uma grande invasão, que no começo foi chamada de “Brigadeiro”, em alusão à patente do então governador Ottomar de Sousa Pinto. A tática de “homenagear” o político deu certo.

Ottomar fez de tudo para oficializar o bairro e conseguiu. O São Bento foi o primeiro na Capital a ser implantado tendo como base o modelo de Área de Interesse Social, com a desapropriação da antiga dona, a Diocese de Roraima. À época, o Governo Federal liberou milhões para a construção de casas populares que foram doadas aos primeiros moradores.

Mas, após a implantação do bairro, os especuladores de terra promoveram mais uma “indústria de invasão” na Capital. Das cinco famílias entrevistadas pela Folha, apenas uma é remanescente da antiga invasão. As demais informaram que haviam comprado lotes e casas após a criação do São Bento.

“Aqui, na rua, são poucas pessoas que ficaram desde a invasão. A maioria já vendeu as casas que ganharam, mesmo sem a documentação definitiva do imóvel. Quem ficou realmente não tinha onde morar, mas muitos que pegaram terreno não precisavam. Teve gente que pegou quatro lotes, depois os vendeu e se mudou daqui”, relatou a dona de casa, Ruth de Almeida, de 49 anos, moradora da Travessa Mendes Júnior, no final do bairro.

A comerciante Roselita Soares Lopes, de 50 anos, também reclamou das condições de infraestrutura do bairro. Na rua onde ela mora não há asfalto nem água encanada. Mãe de dois filhos, ela reclama da falta de um posto de saúde e de creche. “Temos que pegar água de um ‘gato’ [ligação clandestina] lá no começo da avenida [Brigadeiro]. Não dá para cavar poço porque a água está contaminada. As crianças aqui vivem adoecendo com diarreia e doenças respiratórias. É por causa da água e do fedor que bate da lagoa de estabilização”, lamentou a moradora, que tem três netos menores de idade.

Uma parte do bairro São Bento foi construída em cima da antiga lixeira pública da Capital. Basta cavar alguns metros para se perceber uma grande quantidade de lixo do antigo lixão. O risco de acidentes e de contaminação ainda é iminente para quem mora principalmente no final do bairro. “O pior é que, mesmo com os frequentes casos de doenças respiratórias e diarréia, não temos um posto de saúde. Somos obrigados a nos deslocarmos até as unidades dos bairros Raiar do Sol e Centenário, que vivem lotados. Na verdade, não temos saúde básica por aqui. Precisamos muito”, apelou a comerciante.

Não bastasse o forte odor da lagoa de estabilização, os moradores ainda têm que conviver com a fumaça tóxica liberada toda vez que a usina de asfalto da Prefeitura de Boa Vista funciona. Neste caso, a poluição afeta as famílias por terra, ar e água, pois o lençol freático está comprometido devido ao lixo do aterro sanitário, segundo especialistas da Universidade Federal de Roraima (UFRR).

O bairro também é margeado por dois igarapés: o Grande e o do Paca. A Folha foi ontem aos mananciais e também constatou a poluição. Os leitos e suas margens estão repletos de lixo doméstico e até restos de animais. A água é escura e exala mau cheiro. (AJ)

Mais antigos já podem solicitar título definitivo

O Governo do Estado esclarece que o bairro São Bento está regularizado por meio da cessão de uso para fim de moradia social. Ou seja, as pessoas que se enquadraram em critérios socioeconômicos exigidos foram contempladas e, após dez anos, o requerente original do benefício está apto à emissão do título definitivo da área.

Porém, há uma parte do bairro que está sobre um lixão e, para essa área, a Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh) já emitiu um laudo solicitado pelo Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima), que apontou restrições para ocupação humana do local.

Dessa forma, o Iteraima, a Companhia de Desenvolvimento de Roraima (Codesaima) e a Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes) farão um levantamento socioeconômico dessas famílias para verificar quais se enquadram e podem ser contempladas com os programas habitacionais do Governo do Estado.

CAER – A Companhia de Águas e Esgotos de Roraima informou que já elaborou um cronograma, previsto para ser realizado em fevereiro, a fim de implantar e executar a rede de água nas ruas do São Bento que ainda não foram contempladas.

Sobre a rede de esgotamento sanitário, a companhia esclarece que a implantação deverá ocorrer até o final deste ano, pois o bairro está contemplado na quarta etapa das obras de ampliação e modernização da rede coletora de esgoto, obras que serão executadas pela Renovo Engenharia, através de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC2).

Posto de saúde está em construção, mas não há previsão para creche

A Prefeitura de Boa Vista, por nota, informou que está trabalhando para oferecer atendimento de saúde de qualidade aos moradores do bairro São Bento. As equipes de Saúde da Família realizam ações periódicas de prevenção à saúde com orientações e identificações de doenças, trabalho desenvolvido juntamente com a Vigilância em Saúde do município. A Prefeitura de Boa Vista já iniciou a construção de uma unidade básica de saúde para atender os moradores do São Bento, que atualmente são cobertos pela unidade do Raiar do Sol.

A Educação Municipal tem passado por um processo de ampliação no atendimento à primeira infância com a construção das 17 novas creches e mais 11 casas mãe. No momento, afirmou que não há previsão de construção de creches ou casas Mãe para aquela localidade. Mas acrescenta que está em construção uma creche Pró-Infância no Centenário, que deverá também atender às crianças daquela área. A Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Smec) ressaltou que a Escola Municipal Ioládio Batista, no bairro São Bento, atende 953 crianças matriculadas do 1º ao 5º ano do ensino fundamental.

Sobre a limpeza, a prefeitura informa que foram feitos agora, em janeiro, serviços de roçagem, capina e retirada de entulhos em 13 bairros da capital, incluindo o São Bento. Os terrenos baldios que ficam esquecidos pelos proprietários também são alvo das equipes de limpeza. Após a retirada do lixo uma taxa do serviço é inclusa no IPTU do terreno.

Sobre a falta de asfaltamento, a prefeitura informou que estuda uma maneira de incluir as ruas citadas nos projetos de asfaltamento da Capital. Reforça que enviará uma equipe para verificar a situação para tentar amenizar os transtornos aos moradores.

Famílias invadem outra área onde havia lixeira pública

No final da Avenida Brigadeiro, atrás da usina de asfalto da Prefeitura, mais de 150 famílias ocupam uma área denominada Nova Vida. A invasão ocorreu há um ano e meio e os moradores aguardam a regularização das terras, que também pertencem à Diocese de Roraima.

Essas famílias invasoras vivem em condições precárias, sem água encanada, sem energia elétrica legalizada, sem rede de esgoto e até sem ruas. “Precisamos de infraestrutura. Não temos onde morar. Queremos que esta área também passe a ser do bairro São Bento”, reivindicou o pescador Antônio Ramos, de 47 anos, casado e pai de quatro filhos.

O local é abastecido por ligações clandestinas de energia elétrica. Além desse risco, as crianças da ocupação também sofrem sérios problemas de saúde. “Meus meninos aqui vivem gripados, com nariz escorrendo e com diarreia. A gente sabe que aqui era um lixão, mas não temos para onde ir, infelizmente”, lamentou.

DIOCESE – Uma atendente da Diocese de Roraima informou, no começo da tarde de ontem, por telefone, que só quem poderia falar sobre o assunto é o administrador diocesano, padre Carlos, mas ele estava viajando para o Município do Cantá, a Leste de Roraima, onde participava de um encontro de formação. O administrador chegaria hoje pela manhã, dia 26. (AJ)