A família do adolescente, de 14 anos, que contraiu raiva humana, em Roraima, concedeu entrevista à Folha, na manhã de ontem, e denunciou que houve negligência por parte dos médicos da Policlínica Cosme e Silva, no bairro Pintolândia, zona Oeste. Conforme eles, além da demora no atendimento, que levou pouco mais de uma hora para ser iniciado, a médica que atendeu o menino prescreveu apenas a vacina antitetânica e dipirona, sem receitar a vacina antirrábica.
O jovem foi levado para a unidade após ter sido mordido no dedo de uma das mãos por um filhote de gata, no dia 8 de abril. A Folha teve acesso ao prontuário do paciente, onde consta que ele chegou à unidade apresentando febre de 38,5º graus, e a prescrição de apenas o medicamento contra a febre e uma dose da vacina contra tétano.
Segundo o padrasto do adolescente, José Maria Nunes, o fato de não ter tomado a dose da vacina antirrábica influenciou diretamente na piora do seu quadro clínico. Ele encontra-se internado em estava grave na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral de Roraima (HGR).
“Expliquei para a médica o que havia ocorrido e ela passou exatamente o que estava prescrito no prontuário, apenas a vacina antitetânica e a dipirona, sem a vacina antirrábica. Ela deveria ter orientado a gente a voltar na unidade, caso a criança apresentasse qualquer piora, mas não nos orientou. Ele deveria ter tomado três doses de vacina antirrábica, mas não tomou nenhuma”, afirmou.
Quase um mês depois de ter recebido alta da unidade médica, o padrasto contou que o estado de saúde do menino havia voltado a piorar. “Nós o levamos para tomar os remédios, mas como somos leigos no assunto, achamos que a médica tinha feito o correto. A ferida dele criou pus e a unha chegou a cair. Depois ele começou a sentir dores no braço e nas juntas e, no dia 11 deste mês, o levamos de volta ao Cosme e Silva”, relatou.
Ao explicarem o ocorrido para o médico plantonista, o especialista resolveu transferir o adolescente para o HGR. “O médico se espantou quando a mãe dele contou a situação em que a gata mordeu ele. Depois de ver o prontuário da consulta, ele percebeu o erro que havia sido cometido e o levaram para o HGR às pressas. No mesmo dia ele foi internado e entubado”, disse.
O padrasto afirmou não ter dúvidas de que houve erro médico no atendimento prestado ao enteado. “O erro foi na Policlínica, desde o atendimento até o fato de a médica ter passado o medicamento, mas não o que ele deveria ter tomado, além da orientação que deveria ter nos dado e que também não deu. Agora ele está entre a vida e a morte, e só Deus pode intervir por ele”, frisou.
Mãe de paciente reclama de atendimento no HGR
Outra reclamação, feita pela mãe do garoto que contraiu raiva ao ser mordido por um gato, se deve ao atendimento prestado ao paciente no HGR que, segundo ela, é precário. “O tratamento é um descaso. Chegaram a pedir para comprarmos um colchão pneumático, que custa quase R$1 mil, para evitar a criação de feridas no meu filho. Tive que comprar todos os medicamente, porque lá não tem. Até mosca tem na UTI”, denunciou.
Conforme ela, o filho também não estaria recebendo higienização no leito da unidade. “Quando cheguei perto dele, senti um forte odor e vi que era da boca dele, porque não fizeram a higienização. Quando fui reclamar, falaram para ir ao boletim e, na Ouvidoria, nos dão um papel para escrevermos. O médico veio até nós e nos disse que não tinha cura e que era dali para pior. Como pode a pessoa em choque e ele fazer um negócio desse?”, questionou.
Segundo a mãe do menino, até as paredes da sala de isolamento estavam sendo furadas para a colocação de prateleiras. “Tinha um homem furando a parede dentro do isolamento. Questionei aquela situação e o médico disse que meu filho não estava sentindo, mas estava. Ele está naquela situação, mas eu creio que ele vai sair de lá. O médico disse que era para gente se preparar para o pior, mas eu creio que meu filho vai melhorar”, afirmou.
A família informou que irá processar o Estado pelo erro causado pela médica que atendeu o adolescente, na Policlínica Cosme e Silva, e pelo atendimento que está sendo prestado a ele no Hospital Geral de Roraima.
“A nossa fé é que Deus poupe a vida dele. Mas, independente disso, vamos processar o Estado pelo erro médico. Foi omissão, um caso gravíssimo e as pessoas não têm conhecimento sobre o assunto. Se a pessoa estudou tantos anos para cuidar da saúde do ser humano, tem que dar conta da responsabilidade”, frisou o padrasto.
Governo diz que abrirá procedimento para investigar atendimento médico
Em nota, o Governo do Estado afirmou que o adolescente notificado como caso suspeito de raiva humana foi recebido na Policlínica Cosme e Silva após ter sido mordido por um gato, onde houve a prescrição médica para vacina antirrábica. “O Departamento de Vigilância Epidemiológica do Estado está com um procedimento em curso para investigar se todos as etapas do atendimento para acidente antirrábico foram devidamente adotadas na unidade”, frisou.
Quanto ao atendimento do adolescente no HGR, afirmou que, ao dar entrada na unidade, o paciente foi transferido para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em menos de 30 minutos, onde permanece recebendo todo o suporte médico que o caso requer. O quadro do paciente está estável.
Segundo o governo, os medicamentos prescritos ao paciente são de uso hospitalar, os quais não são comercializados em farmácias ou drogarias, inviabilizando que a família fizesse tal aquisição. A partir de uma solicitação da Vigilância Epidemiológica do Estado, o Ministério da Saúde enviou um medicamento específico para tratamento do paciente, o qual vem sendo administrado desde então.
Sobre o colchão pneumático, o governo esclareceu que não se trata de um material hospitalar e que também não foi solicitada a compra do mesmo. A equipe médica apenas orientou que se trataria de uma opção para evitar escaras (feridas), que podem surgir devido à permanência de um paciente na mesma posição em um leito por um período prolongado.
Informou ainda que o paciente está acomodado em um ambiente que foi totalmente revitalizado recentemente. “Pontuamos ainda que a UTI é um setor prioritário quanto à higienização, que é feita várias vezes ao dia, a fim de garantir a biossegurança, de modo que a unidade não tem conhecimento da incidência de qualquer corpo estranho nas dependências deste setor”, frisou.
A Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) ressaltou que se solidariza com a família neste momento de apreensão em relação ao quadro de saúde do adolescente em questão. E que a direção do HGR ou a própria secretaria está à disposição dos familiares para prestar os esclarecimentos que se fizerem necessários e dar o suporte. (L.G.C)