Cotidiano

Líder de facção convoca mulheres de presos para pressionar governo

Preso ordena que as mulheres dos detentos se mobilizem até junto à OAB contra medidas

O detento Evaldo Lima de Almeida, de 30 anos, vulgo “Medalha”, um dos líderes em Roraima da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), na Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc), convocou as mulheres de presos para pressionar o poder público a ceder às 17 medidas anunciadas na semana passada, pelo Governo do Estado, para o sistema prisional, após seguidas fugas em massa na Pamc.

O preso deixou bem claro que a revolta é porque eles estão trancados nas celas e sem visita, o que ele classifica como “opressão”. Também foi enfático ao dizer que era para as mulheres se assumirem e agirem como “mulheres de criminosos”.  “Precisamos da ajuda das ‘cunhadas’, que corre junto com nós [sic]. Só é mulher de criminoso mesmo, não é nenhuma mulher de trabalhador. Só tem mulher de criminoso do 1533 [significado de PCC]. Vamos dar logo um ‘pá’ aqui, para acabar com essa cenazinha. Estamos atrás de vocês para correr atrás de nossos direitos”.

Segundo a polícia, essas mulheres, esposas dos detentos, são apelidadas de “cunhadas” porque o PCC, segundo os criminosos, seria uma irmandade. Elas também colaboram com o crime organizado. Do lado de fora dos presídios, elas ficam encarregadas de fazer o “corre”, ou seja, de cumprirem as ordens dos líderes das facções que estão presos.

Por meio de uma gravação de aplicativo de celular, de dentro da Pamc, o líder criminoso deu ordens para que as “mulheres de criminosos” se acorrentassem na frente da Cadeia Pública de Boa Vista, no bairro São Vicente, zona Sul. Ele avisou que agora todas as facções criminosas que atuam nos presídios de Roraima estão unidas contra o Estado.

“O Estado quer colocar preso para arrancar cabeça de preso, mas nossa caminhada agora é outra. Estamos unidos, todos. E as mulheres dos irmãos devem pressionar o Estado, ir à OAB, na Comissão de Direitos Humanos, denunciar a nosso favor, pois aqui dentro está ocorrendo abuso de poder”, reclama o bandido ao telefone.

Uma das 17 medidas adotadas pelo Governo foi suspender as visitas nas unidades prisionais, por 15 dias, após as fugas em massa na Pamc. “Medalha” deixa bem claro que as “cunhadas” não poderiam ficar de braços cruzados por que agora, segundo ele, é “um por todos e todos por um” contra o sistema.

Na gravação, o bandido ainda enaltece a “Família do 15”, que é a abreviação do 1533, que representa a décima quinta letra do alfabeto, o “P”, e a terceira letra repetida, “CC”, ou seja, PCC. Sobre a fuga em massa que ocorreu na Pamc, o que forçou o governo a adotar as 17 medidas, o bandido culpa os policiais militares que estavam de serviço na muralha.

Segundo ele, os PMs estavam distraídos no WhatsApp, por isso não teriam impedido a ação dos detentos. A fuga foi gravada com celular de cima da muralha, mas não se sabe se por policial ou detento.

“Nós não têm culpa. Nós somos bandidos, mas nós tem cultura [sic]. Tem que punir é os PMs que tava na muralha distraído com o WhatsApp. O que não pode é 1.200 presos pagarem pelo que não fizeram e terem a visita suspensa por 15 dias. Vamos continuar no batidão”, avisou o criminoso.

Evaldo Lima cumpre pena por tráfico de droga. Considerado perigoso, é um dos líderes do PCC na Pamc. Ele finaliza dando ordens para que as “cunhadas do crime” saiam da cama e pressionem, reiterando que os irmãos de todas as facções estão juntos “na paz do medalhão”, segundo ele. (AJ)

Comissão dos Direitos Humanos não está a serviço de criminosos, avisa OAB

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Hélio Abozaglo, disse por telefone, ontem pela manhã, que ainda não havia escutado a gravação, mas logo descartou que a comissão pudesse ser usada por essas mulheres a serviço do crime organizado. “Nesse sentido, em hipótese alguma”, frisou.

Na gravação, o detento Evaldo Lima de Almeida, o “Medalha”, ordena às mulheres dos integrantes da facção criminosa para que protestem contra o Estado e procurem a Comissão de Direitos Humanos da OAB para se respaldarem.

O presidente informou que a entidade irá averiguar o caso para ver se tem ou não fundamento. Sobre o sistema prisional, disse que a Comissão já fez vistorias na Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc) e na Cadeia Pública Feminina, ambas na zona rural da Capital. Antes do fim do mês, a vistoria chegará à Cadeia Pública de Boa Vista, no bairro São Vicente, zona Sul, e à Cadeia Pública de São Luiz do Anauá, Sul do Estado.

Nas vistorias estão sendo observadas, segundo ele, as condições estruturais dos presídios. A Comissão detectou, por enquanto, o óbvio: que as unidades prisionais visitadas estão superlotadas. “Além da estrutura dos prédios, também vistoriamos as condições vividas pelos apenados”, frisou.

O presidente falou também das 17 medidas adotadas pelo governo para o sistema prisional. Segundo ele, em uma delas a comissão não concorda. “Suspender a visita penaliza os familiares dos presos. Isso gera revolta e pode tumultuar ainda mais o sistema”, alertou. (AJ)

Medidas dependem de dotação orçamentária

Após as seguidas fugas em massa na Pamc, no início do mês, a cúpula de Segurança Pública anunciou uma série de ações para tentar amenizar a caótica situação no sistema prisional. Secretários, coronéis da PM e delegados montaram um plano emergencial com 17 medidas. O secretário de Segurança, Paulo César, disse que as ações seriam aplicadas de imediato, mas que dependia da dotação orçamentária.

As medidas seriam implementadas de acordo com os recursos disponíveis. Ele reforçou que necessitava do apoio de todos, inclusive da sociedade, para que as ações dessem certo. O comandante da Polícia Militar, coronel Dagoberto Gonçalves, lembrou que este ano a população carcerária já havia aumentado 30%, um acréscimo de mais 386 presos no sistema.

Entre as medidas para conter as fugas, os presos estão impedidos de trabalhar nas obras da Penitenciária. As visitas foram suspensas por 15 dias. Também está prevista a abertura de processo emergencial para a reforma das alas 1, 12 e 16, com a construção de barreiras perimetrais com telas e cercas eletrificadas entre os pavilhões e a muralha.

Outra medida diz respeito à abertura de outro processo para conclusão das obras na Cadeia Pública Masculina, onde deverão ser recolhidos os líderes do crime organizado. Também está prevista a aquisição de kits para os presos com roupa fosforescente.

As medidas também atingirão policiais militares e agentes penitenciários. Eles responderão no âmbito administrativo e criminal por omissão ou prevaricação, caso fique constatada culpa durante as fugas.

A contagem dos presos será feita de forma mais rigorosa. Os líderes de facções criminosas ficarão presos em celas específicas. Uma das medidas é justamente acabar com a figura do representante de ala. As revistas serão feitas minuciosamente e em todas as alas, de 10 em 10 dias.

Está previsto também o reforço na segurança com barreiras e obstáculos ao longo da parte interna de toda a muralha da Penitenciária. A cúpula da Segurança também quer colocar um gerador de energia na região do Monte Cristo para situações de emergência na Pamc e Cadeia Feminina.

Por fim, a cúpula vai acionar todos os policiais militares e agentes penitenciários afastados de suas funções para reforçar o efetivo nas unidades prisionais.

AÇÃO – Para saber quais medidas já foram implementadas no sistema prisional, a Folha tentou ontem uma entrevista com os secretários de Segurança Pública (Sesp) e da Justiça e Cidadania (Sejuc), mas o primeiro estava com a agenda cheia e o segundo viajando para o Sul do Estado, segundo informou a assessoria de imprensa das duas pastas. (AJ)