Cotidiano

Número de mortes de crianças indígenas aumenta, segundo Sesai

Os números assustam e líder Yanomami cobra melhorias no serviço de saúde; Funai e DSEI não se manifestam

Cerca de 40% de todas as mortes entre índios brasileiros registradas desde 2007 foram de crianças com até quatro anos. O índice é quase nove vezes maior que o percentual de mortes de crianças não indígenas da mesma idade em relação ao total de óbitos no Brasil no mesmo período.

O relatório feito pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) revelou que a qualidade do serviço de saúde prestado aos índios está muito abaixo do que é oferecido ao resto da população. Os dados detalham todas as mortes de índios registradas desde 2007 em cada um dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), que englobam uma população de cerca de 700 mil índios.

O levantamento mostra também que nos últimos sete anos 2.365 índios morreram por causas externas (acidentes ou violência), dos quais 833 foram vítimas de homicídio. Outras 228 mortes por lesões não tiveram sua intenção determinada. Os suicídios, por sua vez, foram a causa de 351 mortes de indígenas desde 2007.

Comparações entre os padrões de morte dos índios e dos demais brasileiros em 2011, último ano em que há dados gerais disponíveis, revelam outras grandes discrepâncias. Enquanto entre os índios as mortes se concentram na infância e só 27,4% dos mortos têm mais de 60 anos, na população geral os com mais de 60 respondem por 62,8% dos óbitos.

Hoje, quase a metade das mortes no Brasil se deve a doenças mais complexas e difíceis de tratar: problemas no aparelho circulatório (30,7%) e câncer (16,9%). Já entre os índios, doenças respiratórias, como gripes que evoluem para pneumonia, ainda são a principal causa de morte.

Líder Yanomami diz que poluição e governo matam crianças indígenas
 
O presidente da Associação Hutukara, Davi Kopenawa Yanomami, confirmou em entrevista à Folha, ontem pela manhã, que crianças indígenas estão morrendo principalmente acometidas por doenças respiratórias causadas, segundo o líder dos Yanomami, pela poluição ambiental, o desmatamento e a omissão dos governos.

“Nossas crianças nascem sem resistência, por isso adoecem e morrem por causa da poluição da natureza. Os governos pouco ou nada fazem. Eles não olham para a saúde dos povos indígenas”, criticou Davi Kopenawa.

Para reforçar seu posicionamento, o líder comparou comunidades indígenas que ficam próximas e distantes de áreas de garimpo. “Pode observar! Nas comunidades próximas, há registro de morte de crianças porque o rio está poluído e a floresta, desmatada. Na outra, distante de garimpo, não há registro de morte de criança”, observou.

Kopenawa fez duras críticas ao poder público que, segundo ele, trata com descaso a saúde indígena. “Não há vacina, médico ou equipamento para atender a nossa gente. O Ministério da Saúde não tem programa específico para atender a criança indígena. Há somente um clínico geral para atender todos do mesmo jeito”, afirmou.

O líder disse que já cobrou das autoridades públicas atendimento especializado às crianças indígenas, mas, até o momento, não obteve resposta. Davi também culpa a Fundação Nacional do Índio (Funai) pela alta taxa na mortalidade infantil. Segundo ele, a Funai não retira os invasores das terras indígenas, que poluem e destroem a natureza, provocando a morte na floresta.

A cultura Yanomami é milenar, lembra o líder. A população hoje é de 23 mil índios, que vivem em Roraima e no Amazonas. “Os europeus dizem que nos descobriram, mas não é verdade. Eles invadiram. Nós já estávamos aqui há milênios. Hoje lutamos por nossa terra, por nossa cultura, mas o governo estraga a saúde indígena”, lamentou Davi Kopenawa.

NÃO RETORNARAM – Ainda ontem, pela manhã, a Folha foi ao DSEI, mas uma atendente informou que quem poderia responder estava viajando, e que só retornaria hoje. Ela ficou de ligar à tarde, caso o coordenador voltasse ao Distrito, mas não ligou.

Na Funai, uma servidora do gabinete informou que somente a coordenação nacional da Fundação, em Brasília, poderia dar informações. A Folha ligou e mandou e-mail ontem pela manhã, mas não houve retorno até o final da tarde. (AJ)