Com a filha pequena no colo, a venezuelana Cecília Inés pede esmolas, todos os dias, em semáforos de vários pontos de Boa Vista. Ela e a filha, de apenas 1 ano, saíram de Puerto Ordaz, município localizado no Estado de Bolívar, na Venezuela, e vieram para a Capital roraimense há cerca de cinco meses para fugir da crise econômica no país vizinho.
O pouco dinheiro que consegue por meio da solidariedade de pessoas que se comovem com a situação, no entanto, é insuficiente para que a venezuelana consiga um lugar para dormir. “Entre escolher comprar comida para mim e para minha filha e alugar uma casa para ficarmos, eu prefiro a comida. As pessoas ajudam, doam roupas e até fraldas às vezes, mas dormimos em praças, na rua”, disse.
O drama da venezuelana se assemelha ao de centenas de estrangeiros que sofrem com a falta de assistência por parte do poder público. Ao contrário de outras Capitais, como Rio Branco, São Paulo e Florianópolis, onde a procura por refúgio também é alta, Boa Vista não possui qualquer tipo de unidade de acolhimento destinada a imigrantes estrangeiros.
Conforme a Polícia Federal, de janeiro a junho de 2016 o número de estrangeiros que solicitaram refúgio no Estado já chega a 1.040. Desse total, a maior parte é de venezuelanos (494) e de cubanos (387), que vêm para o Brasil fugindo da crise e da violação de Direitos Humanos que ocorrem nos dois países.
A unidade de acolhimento chegou a ser instalada na Capital, mas foi desativada há alguns anos. Em 2013, o Ministério Público do Trabalho de Roraima e do Acre (MPT) cobrou na Justiça que o Governo Federal assumisse o acolhimento a imigrantes refugiados, fornecendo abrigos, atendimento médico e transporte fretado ou pela Força Aérea Brasileira (FAB), o que não ocorreu em Roraima.
O artista de rua venezuelano Jorge Alfonso, que veio para Roraima com um grupo de amigos, faz malabares nos semáforos em troca de moedas, que também não são suficientes para custear um abrigo para morar. “Tem muitos amigos meus que limpam vidros de carros, fazem arte ou pedem esmola. Mesmo assim, o pouco que ganhamos é mais do que conseguimos na Venezuela. Eu prefiro dormir na rua no Brasil do que voltar para lá”, comentou.
Ele, assim como os amigos, passa as noites na Praça João Mineiro, em frente à Maternidade Nossa Senhora de Nazareth, no bairro São Francisco, zona Norte. Na praça localizada na rotatória do Trevo, no bairro 13 de Setembro, que leva o nome de Simón Bolívar, o maior revolucionário do país vizinho, venezuelanos se juntam a moradores de rua brasileiros e dormem no local. Os terminais de ônibus também vêm servindo de abrigo para os estrangeiros.
Governo afirma que só dá suporte para imigrantes e responsabiliza a Prefeitura
O Governo do Estado informou que a responsabilidade em providenciar abrigo provisório para imigrantes que chegam à Capital é do Governo Federal e do município atingido, neste caso, da Prefeitura Municipal de Boa Vista. Portanto, informou por meio de nota que o público interessado deve procurar ajuda na Secretaria Municipal de Gestão Social (Semges).
Destacou que, com o lançamento da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em 2004, e consequente implantação do Sistema Único da Assistência Social (Suas), por meio da Tipificação dos Serviços Socioassistenciais (Resolução Nº 109/2009), o Governo Federal promoveu a descentralização da Oferta dos Serviços de Acolhimento Institucional, ficando a cargo de cada município habilitado em Gestão Plena, conforme a PNAS, ofertar esse tipo de acolhimento e, portanto, o Município de Boa Vista, habilitado em Gestão Plena, deverá garantir esta oferta.
Ressaltou que Boa Vista já foi contemplada com o cofinanciamento federal para implantação do Centro POP (Serviço de Acolhimento Para População de Rua), que obteve a aprovação do Conselho Municipal de Assistência Social, sendo publicado no Diário Oficial do Município de 30 de maio de 2012, porém não fez o aceite para a respectiva implantação.
Por fim, o governo esclareceu que a Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes) presta suporte com o acolhimento ao público migrante (pessoas que saem de um lugar para outro em seu próprio país) e de pessoas em situação de tratamento de saúde oriundas dos 14 municípios do Estado, realizando este trabalho em razão daqueles municípios não possuírem a habilitação necessária para implantar tais serviços.
Prefeitura diz realizar ‘abordagens sociais’ e que acolhimento é obrigação do governo
A Prefeitura de Boa Vista esclareceu que a atenção aos imigrantes estrangeiros implica prioritariamente na regularização de sua permanência no país, o que cabe à Polícia Federal. Por meio de nota afirmou que, mesmo assim, “tem promovido abordagens sociais de rua a fim de orientar e fazer os encaminhamentos necessários”.
Frisou que a oferta de demais serviços públicos, como a inclusão em programas e projetos sociais, requer essa regularização. Com relação à unidade de acolhimento a imigrantes, a prefeitura esclarece que compete ao Governo do Estado.
Sobre o cofinanciamento federal, a prefeitura informou que os recursos federais eram insuficientes para a implantação do Centro. Acrescentou que foram realizados todos os trâmites legais para a devolução do convênio, uma vez que o mesmo exigia um valor de contrapartida muito acima das condições do Município de Boa Vista.
“A Prefeitura de Boa Vista reforça que as ações sociais desenvolvidas pelo município são realizadas principalmente quando existe o risco social, como, por exemplo, a presença de crianças, idosos que não tenham condições de saúde ou alguma anormalidade, ou por meio de denúncia”, complementou a nota.