Cotidiano

Disputa por terras gera conflito no Projeto de Assentamento Ajanari

Clima fica tenso entre assentados e fazendeiros da região de Campos Novos, onde há acusações de ambos os lados

Agricultores do Projeto de Assentamento Ajarani, em Iracema, município a 90 quilômetros da Capital pela BR-174, Centro-Sul de Roraima, denunciam que foram retirados à bala de seus lotes por jagunços de fazendeiros que querem, segundo os assentados, tomar na marra parte das terras da União.

Ontem pela manhã, agricultores expulsos do assentamento e membros da Associação de Produtores Rurais de Mucajaí foram até a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no bairro São Vicente, zona Sul da Capital, cobrar providências antes, segundo eles, que ocorra morte.

“Queremos que o Incra tome providência sobre o conflito, pois muitas famílias foram expulsas à bala de lá. Os jagunços dos fazendeiros chegaram na semana passada dando tiro e queimando barraco. Pegaram agricultor e o deitaram ao chão. Depois deram tiros ao redor dele. E agora essas famílias não podem voltar, senão morrem”, denunciou Ediel Santiago, presidente da Associação do Produtores Rurais de Mucajaí.

Na parte de trás do assentamento, segundo os agricultores, os fazendeiros construíram cerca e colocaram seus jagunços em lanchas para vigiar a travessia do rio Apiaú, que corta a região. Ainda conforme os denunciantes, na última investida dos fazendeiros, sete assentados, fugindo das balas, se embrenharam na mata e ficaram perdidos por três dias.

“Até quem tem plantação no assentamento não pode voltar para colher. Há uma vicinal em que só os fazendeiros podem trafegar. O projeto de assentamento é do Incra, é legalizado, mas quem manda lá são os fazendeiros. É preciso que alguém tome providências antes que ocorra morte”, alertou o presidente da entidade.

INÍCIO – O conflito pela terra na região começou em 2010, quando o próprio Incra, segundo os agricultores, reduziu o projeto de assentamento de 123 mil hectares para 39 mil hectares. Mas o impasse, conforme os assentados, é que o Incra não informou qual a terra que ainda faz parte do projeto, o que estaria gerando a acirrada disputa pela área.

“Os fazendeiros alegam que toda a parte de trás do assentamento é deles, mas lá há agricultores produzindo na terra. O projeto tem 228 lotes e falta energia elétrica e infraestrutura. A situação já era difícil, mas agora piorou com os atentados à bala patrocinados pelos fazendeiros. Pedimos providências”, cobrou Ediel Santiago.

A área do conflito fica a 41 quilômetros da entrada da Vicinal 3 da região de Campos Novos. Os assentados ainda têm que andar mais 17 quilômetros até chegar aos lotes. Integrantes da Pastoral da Terra, da Diocese de Roraima, acompanharam os assentados, ontem pela manhã, mas também não foram atendidos na sede do Incra.

“O Incra diz apenas que vai resolver a situação, mas não diz quando, nem como. Com a redução, o Incra também não informa a terra que ainda faz parte do projeto de assentamento. Queremos uma definição”, cobrou Ediel Santiago, novamente. (AJ)
 
Advogada rebate acusações e alega que assentados invadiram
 
A advogada dos produtores da Gleba Caracaraí, no Município de Iracema, Lucileia Cunha, mostrou à Folha vários documentos para comprovar que seus clientes, na verdade, segundo ela, são as vítimas, e não os ‘invasores’, como ela classifica aqueles assentados.

“Olha aqui o mapa cartográfico daquela região. Esta área do Estado é a que foi invadida, mas meus clientes têm títulos da terra, emitidos pelo Iteraima. Há registro em cartório de imóveis. Portanto, meus clientes são os legítimos donos. O projeto de assentamento do Incra, o Ajarani, fica em terra da União, sob a responsabilidade do Incra, mas os assentados deixaram os lotes e invadiram terras tituladas, que pertenciam ao Estado. Terras documentadas que pertencem aos meus clientes. Isso é crime”, denunciou.

A advogada questionou por que o Incra não fiscaliza os lotes do referido assentamento. Muitos, segundo ela, estão abandonados ou já foram vendidos. “A invasão ocorre em terra produtiva dos meus clientes, que já estão na região há mais de oito anos. É bom deixar claro que ninguém é contra o pequeno produtor, mas neste caso somos contra a invasão. Por que meus clientes têm que seguir a lei e essas pessoas, não? A lei é para todos”.

Sobre a suposta agressão sofrida pelos assentados, a advogada também rebateu. Negou que seus clientes tivessem armas de fogo e disse que tudo é mentira dos invasores. “A PM já foi à região e apreendeu armas de fogo e munição com os invasores. Meus clientes também não contratam jagunços, como eles alegam. Tudo é mentira deles”.

A advogada lembrou também que a Justiça emitiu uma ação de reintegração de posse em favor dos clientes dela, mas os invasores não teriam cumprido a decisão. “Portanto, devem ser presos. Pior. Essas pessoas invadiram e já destruíram parte do meio ambiente naquela região. Já denunciamos o crime ambiental nos órgãos competentes e esperamos providências”.

Ela mostrou várias fotos alegando ser dos invasores. Algumas delas mostram árvores derrubadas, barracos improvisados e até um homem armado com espingarda. Sobre a suposta fuga dos assentados à mata, Lucileia Cunha contou outra versão. Disse que, quando a PM foi ao local, eles correram para se esconder na mata e deixaram para trás várias armas de fogo.

“Tudo foi apreendido pela PM e está aqui o boletim de ocorrência. Na verdade, eles agem fora da lei, mas alegam que são meus clientes que estão fora da lei. A terra invadida tem título e está legalizada. Eles deixaram os lotes do assentamento do Incra e invadiram uma terra produtiva, com criação de animais e plantações”, frisou. (AJ)
 
Incra vai mandar equipes para a região do conflito

O superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/RR), Antônio Adesson Gomes dos Santos, adiantou à Folha, no final da tarde de ontem, por telefone, que vai mandar três equipes à região do conflito para fazer um levantamento da situação. Depois, tomará uma decisão, a mais justa possível, segundo ele.

Ainda segundo o superintendente, as equipes vão daqui a 15 ou 20 dias e lá ficarão o tempo que for preciso. “Estamos empenhados para resolver esta situação que vem de gestões anteriores. Após este levantamento, vamos tomar uma decisão justa”, frisou. (AJ)