A polêmica em torno da compra de um prédio, feita pelo Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Boa Vista (Sitram), ganhou mais um capítulo. De acordo com o Cartório de Registro de Imóveis, o edifício está em nome de uma servidora pública, de 21 anos, que afirmou à Folha desconhecer ser a dona do imóvel que se tornou alvo de uma polêmica.
O prédio fica localizado no bairro Santa Teresa, na zona Oeste da Capital, e foi comprado por R$ 1,5 milhão, dinheiro proveniente do imposto sindical, com a finalidade de servir como a sede do Sitram. Os sindicalistas chegaram a denunciar que o imóvel pertenceria a um vereador de Boa Vista e que foi negociado sem o consentimento da categoria.
A Folha pesquisou, no Cartório de Registro de Imóveis, a certidão do terreno. Conforme o documento, a área de pouco mais de 700 metros quadrados foi adquirida em 1977 por um comerciante turco já falecido, por cerca de R$ 36 mil, que abriu mão do local por R$ 500,00 e cedeu ao município em 1998.
Em dezembro do ano passado, a área foi vendida pela Prefeitura por R$ 12,2 mil e repassada para o nome de uma funcionária pública. De acordo com informações obtidas no próprio site da Prefeitura, a estimativa do Poder Público sobre o preço da área, chamada de valor venal, era de R$ 399,1 mil. O terreno, portanto, foi vendido à época por menos 3% do que vale.
À Folha, a funcionária disse não ter conhecimento de que o prédio estaria em seu nome. “No meu nome?! Não tenho conhecimento sobre isso. Eu não sei nem qual é esse prédio e nem onde fica. Eu sou muito nova para ser dona de um prédio”, alegou.
Conforme ela, o pai é quem fica responsável por cuidar dos assuntos burocráticos da família. “Tudo quem fica responsável é o meu pai, eu não sei disso. Não tenho conhecimento. Sou muito nova e normalmente não cuido disso e nem procuro saber dessa situação”, disse.
SUPERVALORIZADO – A Folha fez uma breve pesquisa em corretoras de imóveis da Capital para comparar o valor de prédios localizados em bairros próximos do Centro, que possuem estrutura parecida com o que foi adquirido pelo sindicato, com um andar, três salões para reuniões e eventos, salas administrativas, banheiros, varanda e estacionamento.
Dos três edifícios pesquisados, dois possuem preços bem abaixo do que foi pago pelo Sindicato. Um fica localizado no bairro São Francisco, zona Norte, e possui dois salões de festas, um galpão, salas de recepção, saladas administrativas, com 1, 6 mil metros quadrados, e custa R$ 900 mil. O outro, um terreno com 715 metros quadrados de área, fica na Avenida Getúlio Vargas, no Centro, e custa R$ 350 mil.
Associados afirmam que compra de prédio descumpriu o Estatuto
O anúncio da compra do prédio que servirá como sede do Sitram não foi bem recebida pelos associados, que afirmaram não terem sido consultados e que o processo foi feito de forma irregular, descumprindo o Estatuto do Sindicato.
A compra foi feita no dia 21 de julho de 2016. A diretoria do Sitram não soube explicar o motivo de, somente 38 dias depois, ser anunciada essa aquisição. “Esse imóvel é muito longe do que havia sido debatido com a categoria, que previa um espaço arborizado, com piscinas e áreas de recreação”, disse um sindicalista que preferiu não se identificar.
Conforme ele, a diretoria deveria ter consultado a assembleia geral sobre a compra. “Para se gastar R$ 1,5 milhão a diretoria deveria ter feito consulta. Afinal, esses recursos não pertencem à diretoria ou qualquer membro dela. A condução da aquisição do imóvel foi totalmente encaminhada de forma arbitrária”, afirmou.
De acordo com o sindicalista, a diretoria deveria ter apresentado ao menos três propostas de compra e venda de imóveis. “Em se tratando de aquisição ou venda de imóvel e no caso das entidades sindicais, para que haja legalidade, deve ser convocada uma assembleia geral extraordinária especificamente para tal fim, com edital publicado em jornal, e com 7 (sete) dias de antecedência, para deliberar sobre o assunto na primeira convocação, com a maioria dos associados presentes, o que não foi feito”, frisou.
Ele afirmou que todos os associados rejeitaram a compra do imóvel. “Nós repudiamos a decisão da direção do Sindicato. Essa decisão de comprar um imóvel de R$ 1,5 milhão, sem consultar os sindicalizados, em pleno momento eleitoral, e com o mandato da atual direção chegando ao fim no mês de novembro, gera motivo de questionamento junto à justiça”, pontuou.
Diretoria não precisa consultar assembleia, justifica advogado
Em entrevista à Folha, o advogado do Sitram, Silas Cabral, afirmou que a compra de um imóvel para funcionar como sede da entidade já havia sido debatida entre os sindicalizados. “Os próprios sindicalizados fizeram assembleias para tratar da compra do terreno, e em comum acordo já havia sido discutido isso. O dinheiro foi advento do imposto sindical, que é cobrado anualmente, e ficou discutida a compra do prédio, mas não desse”, disse.
O advogado atribuiu a compra de um imóvel pronto à instabilidade econômica do País. “O Sitram vendo uma arrecadação do imposto sindical e, diante de uma instabilidade econômica, decidiu adquirir um prédio já pronto, onde os gastos seriam menores e o aluguel não existiria. Foi a melhor das boas intenções”, afirmou.
Conforme Cabral, o Estatuto concede à diretoria o direito de comprar um bem sem a necessidade de consultar os sindicalizados. “O único prédio que a diretoria conseguiu em condições para os associados foi esse.
Houve uma certa aceleração na compra, porque todas as pessoas estão adquirindo prédios com preços razoáveis, e já havia sido estabelecido em assembleia que era necessária a aquisição, por isso não houve consulta”, declarou. (L.G.C)