Cotidiano

Mortes na Venezuela serão investigadas

Denúncia mobilizou órgãos e entidades médicas a criarem uma comissão para apurar os casos, que serão levados ao Governo Federal

Após a Folha noticiar casos de brasileiras mortas em decorrência de cirurgias plásticas na Venezuela, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) dos Estados do Amazonas e Roraima, além da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e Associação Médica Brasileira (AMB) anunciaram a criação de uma comissão para apurar os casos.

Ao tomar conhecimento das recorrentes mortes de mulheres durante procedimentos estéticos realizados no país vizinho e da possível prática da retirada ilegal de órgãos das vítimas, a Comissão de Direitos Humanos da OAB de Roraima determinou a abertura de procedimentos para apurar a situação e ouvir vítimas e familiares, no intuito de investigar as denúncias e coletar provas.

Os casos já vinham sendo investigados, desde fevereiro deste ano, pelo Ministério Público Federal e pela Ordem dos Advogados do Amazonas, mas só vieram ao conhecimento da população após matéria veiculada na Folha de Boa Vista, na semana passada.

De acordo com a SBCP, mais de 15 mortes de brasileiras decorrentes de cirurgias plásticas na Venezuela foram registradas somente entre 2015 e 2016. A entidade destacou que o número poderia ser ainda maior, dado a grande quantidade de mulheres que retornam do País com sequelas, mutilações e complicações, e utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS) para tentar consertar os erros praticados por médicos venezuelanos.

“Roraima está de portas abertas para que esses órgãos possam somar e, de alguma forma, buscar elementos concretos no sentido de investigar, apurar e acionar as autoridades competentes, dado a gravidade dos fatos. A proposta final será de emitirmos parecer para encaminhar às autoridades, em especial ao Ministério das Relações Exteriores, para que possam ajudar a coibir esses fatos”, disse o presidente em exercício da OAB Roraima, Ednaldo Vidal.

Segundo a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB Roraima, Mary Magalhães, há elementos suficientes que possam vim a provar a prática de tráfico de órgãos na Venezuela. “Sabíamos que muitas mulheres voltavam com sequelas e outras até morriam, mas nunca tínhamos tido notícia de relação de tráfico de órgãos, e isso é extremamente grave, porque imaginar que um órgão é vendido por um alto custo no mercado negro e sem autorização da família é algo a ser investigado”, afirmou. (L.G.C)

Associação Médica Brasileira quer ecografia abdominal nas pacientes

O membro da Associação Médica Brasileira e representante da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Carlos Michaelis, disse haver fortes indícios sobre a possível prática de tráfico de órgãos em cirurgias plásticas na Venezuela. “A questão é que eles estão vilipendiando cadáveres despidos de autorização, tanto institucional brasileira quanto dos familiares. A Venezuela não tem autonomia pela família de embalsamar um corpo e isso prejudica inclusive a verificação do óbito e causa da morte no Brasil”, afirmou.

Conforme ele, familiares relataram fatos incomuns após a morte das vítimas. “No momento do óbito pelo menos cinco cirurgiões chegam ao local. Não tem porque e nem vejo como o cirurgião pode chegar num momento como esse para fazer algo, ainda mais em equipe. Ele não vai querer pegar um corpo num estado complicado, mas lá é uma regra”, denunciou.

Ele informou que pacientes do Amazonas que se submeteram a cirurgias na Venezuela descobriram, no Brasil, que foram vítimas de tráfico de órgãos. “Pedimos a indicação da SBCP para que médicos do Conselho Regional de Medicina façam ecografia abdominal nessas pacientes, que vai mapear e constatar a remoção de algum órgão. No Amazonas temos pacientes que passaram por cirurgias na Venezuela e no momento em que foram passar por outro procedimento descobriram que estavam sem algum órgão”, disse.

Michaelis declarou que as entidades médicas têm provocado a Polícia Federal para abertura de inquérito investigativo sobre os casos. “A nossa participação junto à OAB é provocar a polícia para criar uma investigação sigilosa. Encaminharemos ofício ao Itamaraty para que possa endurecer a fiscalização nas fronteiras”, frisou.

O representante afirmou que foi possível montar um acervo de provar em Roraima sobre a prática de tráfico de órgãos no país vizinho. “No Amazonas, apesar das investigações, não conseguimos buscar materialidade disso. Mas aqui, em Roraima, conseguimos montar um acervo de provas que infere a real possibilidade de que isso existe”, pontuou. (L.G.C)

OAB do Amazonas anuncia que agenciadoras serão investigadas

Outro ponto que será investigado pelas entidades é a participação de agenciadoras que levam mulheres para realizarem procedimentos estéticos na Venezuela. “A cirurgia em outro país não é proibida, mas a partir do momento em que há um grande número de óbitos, passa a saber que existem aliciadores nas redes sociais para levar as mulheres para lá, e se verifica que o corpo de uma vítima voltou sem nenhum órgão, isso passa a se tornar grave”, disse a presidente da Comissão de Direito Médico e Saúde da OAB do Amazonas, Lidice Langbeck.

Ela classificou a atuação das aliciadoras como prática de associação criminosa. “Cada aliciadora que leva três pessoas tem direito a uma cirurgia plástica. É uma associação criminosa, porque a partir do momento em que há um grande número de óbitos e os corpos voltam sem os órgãos com a indicação de cremação para apagar as provas é algo assustador e temos que movimentar as instituições, unir forças e conscientizar as mulheres a não fazerem cirurgias plásticas na Venezuela”, complementou. (L.G.C)

Família diz que não autorizou retirada de órgãos de paciente

A família de uma das mulheres que morreram na Venezuela, depois que realizaram cirurgia plástica, procurou a Folha para afirmar que não autorizou a retirada dos órgãos e disse que médicos venezuelanos teriam praticado extorsão para que o corpo retornasse ao Brasil.

A aposentada Maria Pereira, de 67 anos, mãe da amazonense Adelaide Silva, de 55 anos, que morreu no dia 18, após a realização de procedimentos estéticos em Porto Ordaz, na Venezuela, denunciou que foi impedida de ver a filha no leito da clínica. “Eu não participei de nada lá. Só descobri o estado dela quando me levaram na clínica e ela já estava agonizando, mas não me deixaram entrar”, disse.

Segundo ela, após confirmar a morte da filha, os médicos informaram que iriam realizar a autópsia da vítima. “Eu não assinei nada para retirar os órgãos dela, eu não queria que tirassem nada dela. Disseram que iriam fazer autópsia e eu não autorizei, porque queria fazer no Brasil e sei como funciona esse procedimento”, afirmou.

Ela afirmou que o médico responsável pela cirurgia teria cobrado R$ 70 mil da família pelo translado do corpo até Roraima. “Ele conversou com a gente e nos deu três opções: a de pagar esse valor, cremar o corpo dela ou enterrar lá mesmo. Mas eu não concordei com nada disso”, relatou.

A amazonense, que estava acompanhada da filha no momento da cirurgia, foi encaminhada novamente ao centro cirúrgico após passar mal. “Quando fomos visitá-la na clínica já nem falava mais, foi quando a levaram para o centro cirúrgico e depois a deram como morta. Eu suspeito que tenham tirado os órgãos dela no momento da cirurgia, pois não tive a oportunidade nem de ficar na UTI”, afirmou.

A aposentada relatou que chegou a pedir que a filha não fizesse a cirurgia na Venezuela. “Eu pedi a ela que não fizesse e ela disse que se não fizesse agora não faria nunca mais. Ela fez e foi o desejo dela, era o que ela mais queria. Eu queria pedir que não procurem essas operações fora, porque aqui temos médicos capacitados para fazer isso e minha filha foi vítima de médicos incapacitados”, frisou. (L.G.C)