Política

Familiares denunciam transferência na Comissão de Direitos Humanos

Conforme denúncia, presos da Operação Cartas Marcadas foram tratados com desumanidade e sem direito à defesa

Familiares de presos investigados na operação Cartas Marcadas informaram que a transferência deles para presídio federal não foi feita a pedido, ao contrário do que afirmaram promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de Roraima (MPRR).

“Essa transferência não foi solicitada pelos familiares, como têm afirmado o Gaeco. Eles usaram de subterfúgios de um pedido de transferência de um dos investigados que durante a rebelião pediu para sair da Pamc e ir para o CPC. Nenhum deles nunca pediu para ir para um presídio federal, já que um estava na Pamc e outro porque fez denúncias envolvendo pessoas influentes no Estado. Eles utilizaram da fragilidade desses dois presos para dizer que os investigados estavam precisando de segurança e que o Estado não podia proporcionar isso”, destacou a esposa de um dos investigados.

Na manhã de quinta, 27, quatro presos investigados na operação foram transferidos para um presídio federal de Mossoró (RN), no mesmo avião em que foram sete envolvidos com facções criminosas. Em entrevista na manhã desta sexta-feira, 28, à Folha, a esposa de um dos investigados, que não quis se identificar com medo de represálias, disse que as famílias só tomaram conhecimento da ação pelos noticiários e que a determinação da Justiça roraimense pegou a todos de surpresa, uma vez que nem mesmo os advogados foram comunicados do fato.

“Estamos desesperados com essa situação, nossos maridos foram taxados como condenados e tiveram tratamento pior do que os dos líderes de facção criminosa que puderam falar com os advogados e se despedir das famílias. Isso não é humano. Eles foram tratados com desumanidade, sem direito a defesa, sendo apenas investigados e não condenados. Saíram com a roupa do corpo e foram noticiados na imprensa do Rio Grande do Norte como os maiores bandidos de Roraima. Isso não é justo. A Lei foi ignorada”, pontuou.

Os familiares procuraram a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Roraima (OAB-RR) para denunciar a situação e desesperados, exigem que providências sejam tomadas em relação à transferência, já que, segundo eles, os investigados não representam perigo para a sociedade.

“A gente já estava sem contato com nossos maridos há praticamente uma semana, quando transferiram os presos de facções criminosas para a sede do Comando de Policiamento da Capital (CPC) e por conta do protesto dos familiares desses detentos, houve a suspensão das visitas. No dia em que houve a transferência, eu fui para o Instituto Médico Legal (IML), ver se conseguia falar com meu marido. Foi um ato de desumanidade, porque não houve nem o comunicado ao advogado, e os familiares não puderam se despedir”, afirmou a esposa de outro investigado.

Ela conta ainda que a transferência desestabilizou toda a família, que os filhos do casal não querem mais ir à escola e que os pais do esposo, que são idosos, estão à base de medicação. “A Justiça tem que rever isso, pois eles estão presos preventivamente. A audiência de instrução já está marcada, eles não representam risco para a sociedade, todos são réus primários, possuem bons antecedentes. Então, não justificaria uma transferência para um presídio federal onde correm perigo de serem mortos. Não precisava ser dessa forma. Eles têm direito a ampla defesa”, salientou.

“O meu marido faz acompanhamento médico, tem problema de coração, precisa tomar remédio controlado e a gente não sabe se ele teve direito de levar esses medicamentos, se ele está tendo acompanhamento, até porque todos os pertences deles foram deixados no Comando. Saíram somente com a roupa do corpo”, concluiu.

A Folha entrou em contato com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Roraima (OAB-RR), Helio Abosaglo, que informou que a Comissão recebeu a denúncia e avaliará a representação feita pelos familiares dos investigados na próxima segunda, 31.

Advogado alerta que clientes correm risco em presídio federal

O advogado de três dos quatro investigados por envolvimento na operação Cartas Marcadas transferidos para Mossoró negou que a defesa tivesse solicitado qualquer transferência dos presos para o presídio federal. À reportagem, o advogado Henrique Vieira disse que soube pela Folha da transferência e que não teve direito aos autos do processo.

“O Ministério Público está passando uma versão que não é real. Não houve requerimento da defesa ou deles formal para que fossem transferidos para fora do Estado, jamais. A defesa não sabia do procedimento que foi feito sem dar direito à ampla defesa”, disse.

Henrique acrescentou ainda que o juiz que deu a sentença determinou que o caso ficasse sigiloso. “A defesa jamais foi comunicada. Não soubemos em nenhum momento dessa transferência feita a nossa revelia. Não tivemos acesso aos autos e fomos pegos de surpresa. Tomamos conhecimento da transferência pela imprensa. A defesa não sabia, as famílias dos presos não sabiam, e vamos recorrer da decisão no Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) e apresentar fundamentação de que fomos enganados”, destacou.

O advogado acrescentou que tem responsabilidade com seus clientes e jamais pediria para irem para um presídio federal perto de criminosos perigosos, quando eles não representam nenhum risco à sociedade.

“Imagina a repercussão profissional disso. Esta informação não corresponde exatamente ao que aconteceu. Pedido de transferência dos presos ou da defesa para presídio federal fora do estado jamais existiu”, garantiu.

MP diz que transferência junto com líderes de facção foi uma coincidência

O Ministério Público de Roraima (MPRR) informou que o Gaeco vem desenvolvendo seu trabalho pautado na lei e nas provas colhidas no processo. “O MP, como fiscal da lei, tem dever de preservar a integridade física dos presos. Os próprios detentos, em oitivas realizadas na sede do Ministério Público, declararam a insegurança e o medo que sentiam em cumprir pena no sistema prisional de Roraima. Prova disso que a advogada Mônica Cseke divulgou carta à imprensa divulgando o fato”, diz em nota.

Quanto à transferência conjunta, o MP esclarece que os pedidos referentes à Operação Cartas Marcadas e PCC foram feitos em datas diferentes. “A transferência em conjunto foi coincidência, uma vez que a organização e remoção de presos para presídio federal é de responsabilidade do Depen [Departamento Penitenciário Nacional] de acordo com aval da Justiça Federal e da Justiça Estadual”.