Cotidiano

Associação afirma que moradores do João de Barro não serão despejados

Entidade diz que apenas a área do meio da ocupação foi penhorada pela Justiça e que as outras estão na fase final de legalização

A coordenadora da Associação dos Trabalhadores Sem-Teto de Roraima, Geice Brito, afirmou que os moradores da ocupação João de Barro, no bairro Cidade Satélite, zona Oeste, não serão despejados. Ela mostrou vários documentos que comprovariam que os lotes de duas áreas estão em fase final de legalização, faltando apenas, segundo ela, “boa vontade” da Prefeitura de Boa Vista.

Cerca de 200 famílias moram atualmente na ocupação. A terra pertencia a um empresário e foi penhorada porque ele tem pendências na Justiça, com o imóvel entregue como garantia de pagamento. Segundo a coordenadora, a área em litígio não é a dos moradores. Ele explicou que a gleba João de Barro foi dividida em três áreas e que a do meio é a que está sendo disputada na Justiça.

“As outras duas áreas, ao lado direito e esquerdo do imóvel, estão na fase final de legalização, faltando apenas a emissão de alguns documentos por parte da prefeitura de Boa Vista. A área que fica no meio da gleba não está nem no nome da Associação. E é esta área que está penhorada, mas não tem nada a ver com os terrenos dos moradores”, observou a coordenadora.

Geice detalhou que toda a gleba foi dividida em 4.200 lotes, que foram vendidos a preços populares. Os lotes do meio, onde a terra está empenhorada, custaram R$ 800. Mas a coordenadora ressaltou que quem comprou esses lotes foi avisado da pendência na Justiça. “O problema é que quem comprou vendeu depois, e este que comprou também vendeu. Aí, agora há esta reclamação.”

Ainda conforme a coordenadora, nos 1.500 lotes do meio moram atualmente 40 famílias e nos outros dois lotes estão mais de 160 famílias. “Este caso já se arrasta na Justiça há mais de dez anos. A Associação tem um contrato com o empresário, ex-dono do imóvel. Ninguém vai sair daqui”, afirmou.

A representante da associação lembrou também que nas eleições passadas, moradores e membros da entidade se reuniram com um parlamentar que, na ocasião, teria prometido que conseguiria dinheiro em Brasília para fazer serviços de infraestrutura na ocupação. Sobre a situação dos imóveis, o político também teria se comprometido a regularizar toda a área, o que até hoje não aconteceu.

“A Associação e a Prefeitura já fecharam uma parceria para regularizar toda esta situação. Não posso informar uma data, um prazo, mas nenhuma família será despejada daqui”, reforçou a coordenadora, com um calhamaço de documentos dos lotes nas mãos. (AJ)

Terras estão penhoradas desde 1995

A terra em questão era da União até janeiro de 1983, quando o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) concedeu o título do imóvel a Antônio Bernardo de Freitas. A gleba rural de mais de 96 mil hectares passou então a ser a fazenda Boa Esperança. O imóvel foi vendido a Maria Barbosa Oscarelli em outubro de 1985. Três anos depois, em 1988, Maria vendeu a José Ribamar Bonfim.

Bonfim então desmembrou o terreno em dois lotes rurais e um deles foi transferido em janeiro de 1992 para a empresa Minoto Terraplanagem. Em julho do mesmo ano, a empresa fez um empréstimo e hipotecou o imóvel ao Banco do Brasil. Três anos depois, com a dívida paga, o banco cancelou a hipoteca, mas a empresa fez novamente outros dois empréstimos, de R$ 150 mil e R$ 67 mil, e até hoje não pagou.

Além da dívida com o banco, o proprietário tem pendências judiciais com o INSS e a União Federal. Esses três fizeram sete registros de penhora da terra no Cartório de Imóveis, em Boa Vista. Enquanto a dívida não for paga e os pedidos de penhora não forem baixados no Cartório, quem comprou lote não poderá legalizar o imóvel. A Folha tentou contato com a empresa Minoto Terraplanagem, mas não conseguiu localizar o dono.

CARTÓRIO – A escrevente substitua do Cartório de Registro de Imóveis, Siney Menezes, orientou as pessoas que vão comprar terreno a irem antes das transações ao Cartório verificar a situação do imóvel. Ela observou que, mesmo o imóvel registrado, o dono tem que fazer a transferência. “E mesmo com escritura, o dono tem que registrar no cartório de imóveis”, ressaltou.

Sobre a situação dos moradores da ocupação João de Barro, a escrevente explicou que, com a penhora, a terra pode ir a leilão para quitar a dívida do dono com o banco, INSS e União. “Ele desmembrou um dos terrenos em cinco lotes rurais. A lei permite isso, mas as penhoras continuam, o que impossibilita o morador de legalizar seu lote. Ele só poderá fazer isso quando baixar a penhora, com o pagamento das dívidas”, frisou. (AJ)

CPI já havia denunciado grilagem de terras

Em agosto do ano passado, vereadores da Câmara Municipal de Boa Vista montaram uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar suposta grilagem de terras na Capital. As investigações apontaram inúmeras irregularidades em titulações fraudulentas de terras, entre elas a João de Barro. A Comissão pediu então a Justiça que punisse os supostos grileiros por lotear e vender terrenos de forma irregular, mas até hoje ninguém foi punido.

O loteamento João de Barro foi considerado irregular por ter sido feito sem autorização dos órgãos competentes. Por isso, o relatório propôs que o responsável pela gleba fosse responsabilizado criminalmente, por ter agido de má-fé no intuito de vender os terrenos que eram públicos, e que os moradores fossem devidamente remanejados, o que também não ocorreu até o momento.

Todo o relatório foi feito em cima de documentos emitidos pelo Instituto de Terras de Roraima (Iteraima), pela Empresa de Desenvolvimento Urbano e Habitacional (Emhur) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ao final dos trabalhos, os vereadores da CPI pediram a prisão dos envolvidos na suposta quadrilha de grileiros de terra, mas ninguém foi preso até hoje.

Em nota enviada esta semana, a Prefeitura de Boa Vista admitiu que a ocupação João de Barro é irregular. A Emhur esclareceu também que os lotes foram comercializados sem nenhuma consulta prévia junto ao poder público municipal. Toda a área, ainda segundo a Prefeitura, no momento, não tem condições jurídicas para se tornar loteamento, em virtude de uma penhora judicial executada pela União para cobrir débitos tributários do proprietário.  (AJ)