Quase todo roraimense já ouviu falar que a capital do Estado de Roraima, Boa Vista, possui traçado urbano organizado de forma radial, lembrando um leque, em alusão às ruas de Paris, na França. Mas a inspiração para o plano urbanístico, projetado entre os anos de 1944 e 1946 pelo engenheiro civil Darcy Aleixo Derenusson, na verdade nada tinha a ver com a famosa “cidade luz”, e sim com o conceito de cidade-jardim.
A inspiração, à época, era novidade, apesar de Boa Vista ter sido apenas a terceira capital projetada do Brasil, depois de Belo Horizonte, em Minas Gerais; e Goiânia, em Goiás. A revelação foi feita pelo filho do engenheiro, o arquiteto Darcy Romero Derenusson, 63. “Naquela época, tinham arquitetos que faziam esse desenho, então era baseado no conceito de cidade-jardim, que não é Paris”, frisou.
O carioca veio a Boa Vista, pela segunda vez, para o lançamento do selo e o carimbo comemorativo do centenário do pai, Darcy Aleixo Derenusson, responsável pelo Plano Urbanístico Radial da Capital, na década de 1940. Em entrevista à Folha, o arquiteto contou a história do famoso traçado da cidade que, segundo ele, cresceu da forma que foi planejada.
“Trabalhei a vida inteira com meu pai dando aulas em faculdades e fazendo projetos juntos. Sei muito da história de Boa Vista e da implantação do projeto. É uma história que começou em 1939, quando ele se formou na Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, e teve participação em obras de saneamento básico”, relatou.
A experiência do engenheiro em saneamento, de acordo com o filho, foi fundamental para identificação do surto de malária em crianças. “Na época, boa parte das crianças era vítima de malária. Os médicos que foram chamados e fizeram o saneamento, coisa que ele já havia aprendido no Rio de Janeiro, e acabou com todas as poças [de água] em Boa Vista num raio de 800 quilômetros. Feito isso, ele voltou para o Rio e fez o projeto da cidade com o auxílio de 20 profissionais altamente gabaritados. Foram mais de mil plantas desenhadas para a construção da cidade, o que hoje é um leque”, disse.
SEMELHANÇA – Apesar de a capital francesa não ter sido a principal inspiração para o projeto urbanístico de Boa Vista, as semelhanças entre as duas cidades existem. “No planejamento de Paris tem a relação entre a largura da rua com a altura dos edifícios, que não poderia ter mais da metade da largura da rua como altura, o que torna a cidade ventilada. Por conta disso, não há muitos edifícios altos em Boa Vista, pois não havia necessidade de se construir grandes prédios. O que valia mais era o traçado”, explicou Darcy.
Segundo ele, o projeto inicial para a capital roraimense foi feito para durar 25 anos. “A partir disso, teriam de ser feitos outros projetos, o que acabou não ocorrendo. Apesar disso, o projeto urbanístico feito na época foi cumprido integralmente. A infraestrutura, a parte em que a população não vê, estava lá, e isso fez com que Boa Vista crescesse da forma que foi planejada”, destacou.
CIDADE-JARDIM – Para o arquiteto Darcy Derenusson, nem mesmo o crescimento desordenado de Boa Vista tirou o conceito inicial que inspirou os traçados da Capital. “Eu achei a cidade como está muito bonita e bem cuidada, é uma cidade gostosa de andar na rua. A Praça do Ayrton Senna, por exemplo, está fantástica. Você pode andar, ver crianças e idosos, e é uma oportunidade de se ter uma vida de lazer junto com a comunidade”, ressaltou.
Ainda assim, ele criticou as ocupações irregulares em áreas de preservação. “Percebi que muitos mananciais foram ocupados e, quando ocorre isso, se criam zonas onde alagam e proliferam doenças. Por isso o planejamento deve vir sempre antes da ocupação. Todo crescimento deve ser estudado para ver como vai ser a ocupação, vendo a largura das ruas, condição de saneamento para que a cidade se mantenha limpa e bonita”, frisou. (L.G.C)