A desembargadora Tânia Vasconcelos atendeu, nesta quinta-feira, 05, ao pedido do Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR) e reconsiderou a liminar concedida, na semana passada, pelo desembargador Ricardo Oliveira, que desobrigava a Prefeitura de Boa Vista (PMBV) a prestar assistência a crianças venezuelanas indígenas, cujos pais ficam nos semáforos pedindo esmola.
A decisão anterior atendia ao pedido do Município, que solicitou suspensão da liminar concedida pela 1ª Vara da Infância e da Juventude, que por sua vez havia determinado fornecimento de café da manhã e internações hospitalares a crianças venezuelanas indígenas em situação de risco na Capital.
Tânia Vasconcelos ressaltou, em sua decisão, que independentemente de haver decisão judicial determinando a assistência aos venezuelanos, é dever do Estado Brasileiro seguir os preceitos e as obrigações de auxílio a estas pessoas conforme os princípios e normas previstos na Constituição Federal.
Ela também descartou o argumento utilizado pela Procuradoria-Geral do Município de que seriam 30 mil refugiados venezuelanos, o que acarretaria em mais de R$54 milhões em despesas. “(…) A decisão restringe o auxílio às crianças indígenas venezuelanas, que atualmente chegam a 52 crianças com idade entre zero e 12 anos, 14 adolescentes, e 92 adultos”, destacou a magistrada, utilizando documento apresentado pelo MPRR. “Número esse inexpressivo em relação aos números levantados pelo município como um fator impeditivo para o cumprimento da decisão judicial”, apontou.
Ela também salientou que o apoio dos poderes públicos a esse público específico vai beneficiar a segurança pública e o bem-estar da população local, uma vez que seu resultado “visa coibir a marginalização de pessoas, fator este que estimula a violência e a proliferação de doenças”.
O Governo do Estado, por sua vez, ficou obrigado, pela decisão em primeira instância, ao fornecimento de almoço e jantar, além do atendimento emergencial médico e odontológico, e vem disponibilizando 500 refeições ao dia, entre café da manhã, almoço e jantar, no Centro de Referência do Imigrante.
ESTADO – O procurador Cláudio Belmino explicou que o entendimento da desembargadora é a mesma do Governo do Estado. “A PGE peticionou no processo originário informando que está cumprindo as ordens existentes na liminar, mesmo com inúmeras dificuldades. Juntou documentos que comprovam a atuação do Estado”, disse.
As informações do quantitativo de pessoas que estão sendo atendidas chegaram hoje para o Governo de Roraima. E a decisão judicial vai ajudar a melhorar o atendimento, segundo o procurador. “A estratégia da PGE é conseguir com o juízo da Vara da Infância que o Município de Boa Vista cumpra a ordem ou que seja expedida outra decisão judicial”, destacou.
PREFEITURA – A Prefeitura de Boa Vista informou, por meio de nota, que ainda não foi notificada da decisão, mas ressaltou que trabalha com um planejamento rígido de ações no município dentro de um orçamento limitado e que qualquer demanda que não esteja contemplada neste planejamento põe em risco a prestação dos serviços prestados à população boa-vistense.
“Lembra ainda que problemas de migração, em especial em fronteiras, exigem a efetiva participação do Governo Federal nas soluções, pois, em momento algum o município recebeu qualquer auxílio para aliviar essa problemática”, frisou.
O CASO – A Justiça determinou que o Governo do Estado e a Prefeitura de Boa Vista trabalhassem em parceria. A decisão partiu da Vara da Infância e da Juventude como medida preventiva às crianças venezuelanas que ajudavam os pais vendendo produtos ou pedindo dinheiros nas esquinas movimentadas da cidade.
Para dar suporte a pouco mais de 100 crianças indígenas venezuelanas em situação de vulnerabilidade e suas famílias, que hoje se encontram abrigadas no ginásio do bairro Pintolândia, zona Oeste da Capital, o juiz da Vara da Infância e Juventude, Parima Veras, instaurou uma Medida Protetiva determinando algumas obrigações ao Estado e Município.
No entanto, a Prefeitura de Boa Vista ingressou com Pedido de Suspensão de Liminar. O desembargador Ricardo Oliveira havia acatado o pedido, em caráter temporário, no dia 30 de dezembro, desobrigando a Prefeitura a cumprir a determinação. Os argumentos utilizados pelo Município no pedido de Liminar é que a decisão geraria “custos infindáveis” aos cofres públicos e que a permanência ou não de estrangeiros no Brasil é de responsabilidade da União. Além disso, alegou que o cumprimento da Medida poderia acarretar no comprometimento da prestação do serviço público, prejudicando a população local.
Migração em massa fez aumentar atendimentos
As últimas estatísticas apontaram que em 2014 foram atendidos 324 venezuelanos. Este ano, até ontem, foram 1.240, o que representa um aumento de 382,71% nesse período. Em 2016, os atendimentos médicos para venezuelanos já atingem o percentual de 60,25% do total de atendimentos.
Somente no primeiro semestre de 2016, o Hospital Délio Tupinambá, em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, atendeu a 3.200 pacientes daquele país. De acordo com os dados, os casos de malária importados da Venezuela subiram de 503, em 2015, para 1.378, em 2016.
No setor educacional, a situação não é diferente. Com base no último Censo Escolar, o número de alunos da Venezuela matriculados nas escolas municipais e estaduais de Roraima aumentou quase 400%, passando de 248 matriculados no ano passado para 999 alunos estudando este ano. Na segurança pública, o número de crimes em Roraima envolvendo vítimas e infratores do país vizinho passaram de 58 em 2015 para 220 este ano.
INTEGRAÇÃO – O Gabinete Integrado de Gestão Migratória foi criado em 17 de outubro de 2016 pelo Governo do Estado com a integração da Secretaria de Segurança Pública (Sesp), Secretaria Estadual de Educação e Desporto (Seed) e Secretaria Estadual de Saúde (Sesau). O gerenciamento é realizado pela Defesa Civil do Corpo de Bombeiros Militar de Roraima (CBM-RR), por ser um órgão de articulação nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal.
O Gabinete já trabalha em conjunto com a instituição Fraternidade: o Estado faz a gestão e a busca dos recursos, enquanto que a Fraternidade executa os serviços dentro do ginásio. Além da distribuição de café, almoço e jantar, a Fraternidade faz assistência médica, odontológica e de vacinação.