Um preso de 38 anos, suspeito de ter cometido furto qualificado, ficou preso preventivamente por dois anos, dois meses e oito dias na Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc), na zona rural de Boa Vista, sem ter sido denunciado à Justiça pelo suposto crime. A soltura foi solicitada na sexta-feira passada, 28, a pedido da Defensoria Pública do Estado (DPE). Após levantamento de toda a situação, no mesmo dia o Ministério Público de Roraima (MPRR) entrou com pedido de relaxamento da prisão pelo excesso de prazo na formação da culpa.
Quando o réu é preso, o Ministério Público tem o prazo de cinco dias para fazer a denúncia, o que só foi feito no mesmo dia do pedido de relaxamento de prisão do suspeito. O caso está em segredo de Justiça, por isso o nome e a idade do homem não foram revelados. Foram mais de 700 dias preso à disposição da Justiça sem que ele fosse sequer denunciado.
Na denúncia oferecida pelo MP, com excesso de prazo junto à Vara de Crimes Contra Vulneráveis da Comarca de Boa Vista, consta que o suspeito, no dia 21 de maio de 2015, por volta das 15h29, no bairro Liberdade, zona oeste de Boa Vista, com o apoio de um menor, subtraiu um aparelho celular e oito frascos de medicamento do interior do estabelecimento comercial. Ele foi acusado por furto qualificado pelo concurso de pessoas e corrupção de menores.
A comunicação do Auto de Prisão em Flagrante (APF) foi distribuída à 1ª vara Criminal Residual, onde foi decretada a prisão preventiva. O promotor reconhece, no entanto, que os autos tramitaram equivocadamente na 1ª Vara da Infância e Juventude, onde foi determinado o arquivamento pelo aparente decurso de um processo judicial e somente no dia 26 de julho deste ano os autos foram encaminhados à Vara Criminal Especializada para oferecimento de denúncia.
“No presente caso, é flagrante a ocorrência de sucessivos erros de tramitação cometidos pelo Judiciário, fato que deve ser apurado pela Corregedoria, de modo que, excepcionalmente neste caso, constata-se flagrante ocorrência de excesso de prazo, e o réu não pode suportar em cárcere o tempo desperdiçado pelos atos que prejudicaram o regular andamento do processo”, diz o pedido. (L.G.C)
MP alega que Defensoria deveria ter tomado conhecimento do caso
O promotor de justiça com atuação junto à Vara de Crimes Contra Vulneráveis, José Rocha Neto, disse que só tomou conhecimento do processo no dia 27 de julho, oportunidade na qual, no dia 28, ofereceu denúncia e requereu o relaxamento da prisão, muito antes de tomar conhecimento de qualquer pedido feito pela Defensoria Pública e, diante dos sucessivos erros de tramitação ocorridos no Judiciário, que o fato fosse apurado pela Corregedoria do Tribunal de Justiça.
Ele alegou que, pelo fato de o processo ter sido de forma não eletrônica, não constou no Projudi a manifestação ministerial protocolizada no dia 28 de julho. “Não se sabe por qual motivo o Cartório da Vara de Crimes contra Vulneráveis ainda não os digitalizou, nem fez os autos conclusos para que a magistrada pudesse decidir sobre o relaxamento e o recebimento da denúncia, ofertados na data já assinalada”, explicou.
“Muito admira que tal fato tenha demorado tanto a ser descoberto, pois há obrigatoriedade de atuação de defensores públicos junto aos custodiados e, ao que parece, nenhum deles entrevistou o suspeito nos quase três anos que ficou preso”, lamentou o promotor. (L.G.C)
DPE diz que responsabilidade pelos réus presos é de todos
Em relação ao processo do preso, a Defensoria Pública do Estado de Roraima (DPE) afirmou que a responsabilidade em acompanhar todo e qualquer processo penal, especialmente os dos réus presos, é de todos os atores da área criminal: Tribunal de Justiça (TJ), Ministério Público (MP) e Defensoria Pública.
“Um processo criminal parado não é culpa deste ou daquele órgão, mas de todos. Ou seja, do MP, que é o titular da ação penal e fiscal da lei, do Judiciário (órgão de execução penal), à disposição do qual se encontra o preso, e da DPE como órgão de assistência jurídica”, afirmou, em nota.
“Uma falha foi detectada e o que se deve agora é trabalhar para sanar as lacunas e evitar novas ocorrências. Daí o empenho da DPE em realizar os mutirões de atendimento no Sistema carcerário, justamente para identificar e resolver casos semelhantes. Seria bem-vinda, inclusive, a participação nesses mutirões do MP e do Judiciário. As respostas à população seriam mais eficazes”, destacou. (L.G.C)
TJ informa que tempo de prisão irá contar para outro processo
O Tribunal de Justiça de Roraima informou, em nota, que, em relação ao processo contra o réu, foi expedido Alvará de Soltura no dia 28 de julho de 2017, tendo em vista que foi constatado, nos autos, que a autoridade policial remeteu o inquérito policial ao Juizado da Infância e Juventude, quando deveria ter encaminhado para a Vara de Vulneráveis.
“O Tribunal de Justiça informa ainda que não houve comunicado da unidade prisional ao Judiciário, bem como não houve pedido anterior de advogado ou defensor público para a soltura do mesmo. O Inquérito Policial foi recebido na Vara de Crimes contra Vulneráveis no dia 27 de julho e o Ministério Público do Estado de Roraima já ofereceu a denúncia contra ele e recebida pelo juízo. Ele responderá pelo processo na Vara de Vulneráveis em liberdade”, esclareceu.
Além disso, o TJ explicou que o requerido sofreu uma condenação referente a outro processo de um e quatro meses, na Vara da Violência Doméstica, em regime semiaberto, sendo que o período em que ficou preso irá contar como tempo cumprido. (L.G.C)