Com uma crise cada vez mais acentuada em seu país, muitos venezuelanos têm enxergado em Roraima a única alternativa para recomeçar a vida, porém muitos estão passando por sérias dificuldades. Somente no entorno da Rodoviária Internacional José Amador de Oliveira – Baton, no bairro 13 de Setembro, zona sul da Capital, estima-se que mais de 350 venezuelanos, entre indígenas e não indígenas, estejam residindo em barracas improvisadas e quiosques abandonados.
A jovem Suzan Medina, 19 anos, veio da cidade Puerto Ordaz em busca de emprego em Roraima. “Vim para Roraima porque a situação econômica na Venezuela está fora de controle. Estou há um mês e já dei entrada no pedido de permanência e também da Carteira de Trabalho. Por enquanto, estou fazendo alguns ‘bicos’, como fazer faxina, lavar roupa, mas gostaria muito de trabalhar em salão de beleza, já que é algo que sei fazer muito bem”, disse.
De acordo com o último levantamento feito pelo Ministério da Justiça, somente no primeiro semestre desse ano, 7.600 venezuelanos pediram refúgio no país, uma média de 1,2 mil por mês ou 40 por dia. O número é quase quatro vezes maior que o registrado em 2014, quando apenas 206 pedidos foram solicitados.
“Trabalho em qualquer coisa que você imaginar, desde pedreiro a soldador mecânico. Limpo quintal, faço serviço de jardinagem, tudo mesmo. Por sorte, ainda dá para conseguir um dinheiro para se manter aqui, mas gostaria de um emprego fixo para poder ajudar a minha família”, destacou William Ferrer, 31 anos, da cidade de Valência.
Além das privações mais básicas, os venezuelanos que estão acampados no entorno da rodoviária também precisam lidar com o crescimento da violência. Por causa da concentração de muitas pessoas no mesmo espaço, as ocorrências de roubos e furtos vêm aumentando consideravelmente, segundo o indígena Warao Cardoso Cardono, de 70 anos.
“Infelizmente, tem gente aqui que só vem para fazer maldade, roubar o que as outras pessoas conseguem com esforço. É por isso que há muitos grupos dispersos por essa região, justamente porque uns são de uma etnia e outros não. Segundo um rapaz que vive conosco, dez pessoas já tiveram seus pertences roubados, o que acaba criando algumas situações de conflito”, afirmou.
Questionado do porquê o grupo não procurou o Centro de Referência ao Imigrante (CRI), local no bairro Pintolândia, na zona oeste, destinado pelo Governo do Estado para abrigar venezuelanos em situação de risco, o indígena explicou que, devido ao espaço ser insuficiente para comportar tantas pessoas e pelo fato de muitos estarem migrando para o Amazonas, muitos optam por ficar na rodoviária, até para não criar conflito no abrigo.
“Aquele local não tem mais como abrigar tanta gente. E indígena de uma etnia não consegue ficar no mesmo espaço que o outro. Então, por esse motivo nós preferimos ficar aqui mesmo. Além disso, muitos já têm onde ficar em Manaus”, complementou.
Cardoso Cardono aproveitou para ressaltar a hospitalidade que o povo venezuelano vem recebendo dos moradores roraimenses. “Apesar das dificuldades, temos sido bem tratados pela maioria das pessoas daqui. São muito generosos e sempre que podem nos ajudam”, salientou.
PF – De acordo com a Polícia Federal, de janeiro a junho deste ano, o órgão recebeu 6.438 solicitações de refúgio de imigrantes de origem venezuelana, mais que o dobro registrado no ano passado, quando 2.312 pedidos foram feitos. Sobre os trabalhos de apoio aos imigrantes, a instituição não se pronunciou a respeito. (M.L)
Somente 10% conseguem emprego, segundo a Setrabes
De acordo com a Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes), órgão responsável por promover a difusão de políticas públicas de assistência social no Estado, de janeiro a maio deste ano, cerca de 380 imigrantes venezuelanos tiveram encaminhamento para entrevistas de emprego pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine). Apesar disso, somente 10% conseguem de fato sendo inseridos no mercado de trabalho roraimense.
“Para que essas pessoas consigam encaminhamento formal para o mercado de trabalho, elas precisam estar com documentos que comprovem a regularidade no país. Esse trabalho é de atribuição da Polícia Federal, que conta com o apoio do alto comissariado da ONU [Organização das Nações Unidas] aqui, em Roraima, que está com um escritório na Universidade Federal de Roraima [UFRR]”, disse a secretária adjunta Edilânia Mangueira.
Segundo ela, como a Setrabes é quem cuida dessa parte de trabalho, o órgão treinou um servidor do Sine para realizar o cadastro dos imigrantes que estão no CRI. “A gente nota que o grande entrave é a questão documental e a baixa qualificação, o que explica esse baixo percentual”, complementou.
Durante o período de agravamento da crise, no ano passado, o Governo do Estado anunciou, entre outras medidas, a criação de um cadastro de imigrantes para promover uma série de atividades de capacitação por meio de parcerias com entidades privadas, tendo como responsável pela gerência das ações a Setrabes. A ideia foi reforçada durante a visita do ministro de Justiça, Torquato Jardim, ocorrida no dia 07 de julho.
“Existem várias frentes de trabalho desenvolvidas pela secretaria e, em relação a essa questão de capacitação, nós ainda estamos na fase de articulação de parcerias com outras entidades, porque hoje a Setrabes é apenas um órgão executor da política pública de assistência social, ou seja, ela em si não executa essas capacitações”, frisou a adjunta.
O Estado ainda recebeu a visita da Coordenação Nacional do Serviço Social do Comércio (Sesc). Segundo a secretária, a ação teve como objetivo fazer um levantamento das ações que estão sendo executadas nos CRI, para analisar que tipos de parcerias poderão ser firmadas para melhorar a vida dos imigrantes.
“Nessa visita, eles tiveram a oportunidade de verificar quais as ações que o Estado vem desenvolvendo na cidade de Pacaraima [na fronteira com a Venezuela, norte do Estado] e no Centro de Referência ao Imigrante. Observaram também as mulheres que ficam nos locais de grande circulação de veículos. Nisso, eles acabaram produzindo um relatório que foi encaminhado para os seus respectivos estados e ficaram de nos dar um retorno. Esse retorno é que nos dará o dimensionamento das ações que realizaremos de fato em relação a essas capacitações”, ressaltou.
DEFESA CIVIL – Questionada sobre os trabalhos de assistência aos imigrantes venezuelanos, a Defesa Civil Estadual informou por meio de nota que alguns venezuelanos se recusam a ir ou permanecer no Centro Referência ao Imigrante (CRI), no Ginásio Pintolândia, zona oeste.
O órgão destacou que não há um dispositivo legal que obriga a permanência de venezuelanos no abrigo, por se tratar de uma ação paliativa de assistência ao migrante. “Trata-se de uma ação humanitária do Governo de Roraima sensibilizado com a crise econômica e política que a Venezuela está enfrentando”, frisou.