Cotidiano

Condições insalubres podem estar provocando intoxicação alimentar

Vivendo em barracos improvisados, o armazenamento de comida de forma indevida pode estar provocando problemas de saúde

Vários venezuelanos que estão acampados no entorno da Rodoviária Internacional José Amador – Baton, localizado no bairro Treze de Setembro, na zona sul da Capital, têm procurado postos de saúde e hospitais públicos por conta de quadros de intoxicação alimentar, problema que vem sendo registrado desde a semana passada.

Boatos surgiram nas redes sociais afirmando que desconhecidos teriam fornecido marmitex com alimentos envenenados, o que foi descartado pelos próprios estrangeiros. A Folha esteve no local, na manhã de ontem, 18, conversando com alguns deles, que relataram desconhecer a informação de envenenamento ou qualquer tipo de intoxicação por substância nociva.

Eles levantaram a possibilidade de que o crescente número de atendimento de venezuelanos em unidades de saúde pode ser decorrente das condições insalubres do local onde moram, em barracos improvisados, além de muitos armazenarem alimentos excedentes de forma inadequada para comer depois.

“Geralmente, a distribuição de alimentos ocorre no final da tarde para o início da noite. Os grupos de ajuda vêm até aqui, as pessoas se organizam em filas e cada um pega o que necessita. Há casos de uma pessoa pegar mais de duas tigelas de sopa, já que como ela é feita apenas para suprir a necessidade daquela hora, enquanto o restante é guardado para o dia seguinte. Como não há local para armazenar, acaba estragando e esse alimento é consumido mesmo assim”, disse o venezuelano Luiz Ramos, 37 anos.

No fim de semana, um grupo que realizava ação solidária esteve na rodoviária realizando uma série de atividades junto aos imigrantes, entre as quais a distribuição de alimentação. A Polícia Militar estava no momento dessa atividade e os policiais foram conferir as marmitas que estavam sendo distribuídas, alegando que teriam recebido a informação de que algumas pessoas estariam sendo intoxicadas com algum tipo de substância. Essa informação acabou sendo disseminada de forma distorcida.

Somente ao redor da rodoviária, estima-se que mais de 350 pessoas estejam vivendo em condições degradantes, já que o local não possui as mínimas condições de higiene. Eles contam apenas com a boa vontade de voluntários para terem acesso aos serviços mais básicos, como saúde e alimentação.

Estrangeiros denunciam exploração da mão de obra dos acampados

Além do problema envolvendo a questão de limpeza, outra questão enfrentada pelos venezuelanos diz respeito à ação de pessoas que se aproveitam da situação de vulnerabilidade para explorá-los socialmente. Segundo a esteticista Marjorie Lara, 36 anos, muitos deles até recebem propostas de trabalho, mas que em alguns casos não chegam a receber absolutamente nada pelo serviço executado.

“Se alguém chegar aqui oferecendo oportunidade de trabalho, pela necessidade, eles acabam aceitando. Infelizmente têm aqueles que se aproveitam dessa situação somente para explorar. Já vi muitos não receberem nada e acaba ficando por isso mesmo, pois geralmente são aqueles que ainda não estão 100% legalizados no país”, comentou.

Apesar dos problemas, a esteticista se considera acolhida pela população roraimense que, mesmo diante das dificuldades do dia a dia, ainda dispõem de tempo para ajudar a quem mais necessita. “Eu já me considero uma brasileira, tanto legalmente quanto por já estar habituada a essa cidade. É um povo que, mesmo diante das dificuldades, possui um coração generoso para ajudar ao próximo. Mesmo vivendo nessa situação, me sinto acolhida e creio que daqui mais algum tempo, quando já estiver com um emprego, eu possa sair dessa situação e poder ajudar outros que também necessitam de ajuda”, salientou.

VIOLÊNCIA – Outro problema enfrentado pelos venezuelanos é a ação de ladrões. Eles têm sido alvo frequente da marginalidade. Segundo Juan Castilho, 33 anos, um grupo de brasileiros estaria invadindo as barracas para levar pertences de valor dos venezuelanos.

“Vez ou outra, vem um grupo de rapaz aqui para causar confusão. Eles entram nas barracas e levam o que podem daqui. Nós nos sentimos amedrontados, pois só estamos aqui porque não há outro local para ficar”, destacou Castilho.

Entidade diz que boatos podem prejudicar ações humanitárias

Segundo a coordenadora do grupo “Ação Social”, Vanessa Epifânio, boatos disseminados como o que ocorreu nesse fim de semana, relatando que alimentos doados estariam sendo envenenados, podem enfraquecer as ações desenvolvidas por entidades que atuam na ajuda humanitária aos imigrantes venezuelanos em Roraima.

“É preciso que se veja o que realmente está acontecendo. A cidade anda vivendo um clima muito pesado, de pessoas disseminando o ódio contra os venezuelanos. Se realmente isso está acontecendo, que os culpados venham a ser punidos. Mas, de fato, uma notícia dessas prejudica, e muito, os trabalhos que são desenvolvidos pelas entidades que auxiliam nessa questão”, disse.

Segundo Vanessa, cabe às autoridades se manifestarem a respeito da situação. Do contrário, os problemas de saúde naquela região só tendem a se agravar. “Como alguém que realmente está nessa frente há um tempo, posso dizer que esse problema [intoxicação] pode estar se dando por conta da situação de insalubridade daquela localidade. Essas pessoas não possuem água de qualidade, a própria higiene do lugar onde eles vivem é precária”, afirmou.

“É de conhecimento também que eles costumam nessas ações armazenar o maior número possível de alimento, e isso tudo só aumenta os riscos da incidência de doenças. Então, é necessário que o poder público também se manifeste em relação a essa situação. Do contrário, a situação por lá só tende a piorar”, complementou.

Sesau descarta existência de indícios de envenenamento

A Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) informou, em nota, que até o momento não houve a constatação de indícios de envenenamento ou intoxicação de venezuelanos, uma vez que os sintomas são comuns a vários outros agravos e seria necessária a análise de prontuários de todos os pacientes que deram entrada na unidade de saúde.

“Como são atendidos vários pacientes estrangeiros, não é possível fornecer esta informação com base nas queixas registradas no momento da entrada, sendo necessária uma análise mais aprofundada e técnica”, ressaltou.

A Secretária destacou ainda que está à disposição para fornecer quaisquer informações que sejam solicitadas por órgãos fiscalizadores ou pela polícia para eventuais investigações a fim de esclarecer o ocorrido.

PM – Também em nota, a Polícia Militar de Roraima (PM) informou desconhecer o caso, já que não há qualquer registro oficial em alguma delegacia. “Também não foram registradas denúncias de ações xenofóbicas nos últimos dias. Qualquer cidadão pode fazer o registro em uma delegacia, para que em seguida a situação seja apurada”, frisou.