Cultura

Ortorexia: conheça a obsessão pela dieta perfeita

Séria candidata ao posto de novo transtorno alimentar, a preocupação excessiva com o cardápio pode resultar em falta de nutrientes, ansiedade e isolamento

Em outubro de 1997, o médico americano Steven Bratman descreveu, de maneira inédita, uma prática comum entre seus pacientes: eles acreditavam que determinados alimentos seriam capazes de causar, prevenir ou tratar doenças e, por isso, seguiam uma dieta extremamente rígida. Tal comportamento foi batizado pela primeira vez na história de ortorexia, junção das palavras gregas “orexsis” (apetite) e “orthós” (correto).

“Diferentemente da anorexia e da bulimia, o quadro é marcado pela obsessão pela pureza do que se come. Ou seja, não tem relação com o peso ou as calorias”, explica a psicóloga Simone Freitas, coordenadora da Clínica de Estudos e Tratamento em Transtornos Alimentares e Obesidade da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.

Embora a ortorexia tenha sido nomeada há duas décadas, ainda é considerada nova e pouco explorada pela ciência – daí porque ainda não consta na lista oficial de transtornos alimentares. Mas isso não a torna menos alarmante.

Mas por que se preocupar com quem se esforça para comer tão perfeitamente? “A dieta tende a ficar cada vez mais restritiva, a ponto de se excluírem grupos alimentares importantes”, responde a nutricionista Marle Alvarenga, do Instituto Nutrição Comportamental, na capital paulista.

A expert conta que uma das características da condição é o indivíduo levar a própria refeição ao sair de casa – do contrário, às vezes nem se alimenta. É aí que o bem-estar começa a degringolar. Afinal, muitas das situações em que interagimos com amigos e familiares envolvem comida. Só que, para o ortoréxico, não seguir uma dieta regrada é sinônimo de pouca ou nenhuma força de vontade.

Bratman suspeita que muita gente se tornou ortoréxica, pelo menos em parte, devido à atual concepção do que é parecer saudável. “No meu tempo, ser ‘fit’ significava conseguir subir alguns lances de escada sem perder o fôlego. Isto é, era um termo associado à nossa resistência e à capacidade aeróbica”, diz. “Agora, ele tem a ver com um biótipo magro ou musculoso”, diferencia. Apesar de a distorção de imagem corporal não ser a principal característica da ortorexia, pode, sim, haver insatisfação com o espelho e o desejo de perder peso a fim de alcançar tal padrão – que, para atrapalhar ainda mais, é bastante difundido na internet.

Obviamente, isso não quer dizer que quem gosta de comer bem ou decide adotar hábitos bacanas está com um pé no problema. “Na ortorexia, esses pensamentos sobre comida ocupam a mente a maior parte do tempo. Além disso, representam um fator de limitação, fazendo com que a pessoa deixe de ir a uma festa só porque não encontrará opções consideradas adequadas, por exemplo”, esclarece o psiquiatra Fábio Gomes de Matos, fundador do Centro de Tratamento de Transtornos Alimentares (Cetrata), vinculado à Universidade Federal do Ceará.

Os prejuízos da ortorexia não se restringem ao campo mental. É muito comum, por exemplo, encontrar adeptos de cardápios elaborados com a finalidade de reforçar tratamentos médicos. Vejamos o caso da dieta sem glúten. Ela é indicada a indivíduos com doença celíaca ou a chamada sensibilidade não celíaca ao glúten – e só.

Mas uma porção de gente encafifou com a proteína do trigo, abolindo-a sem motivos. E, agora, estudos têm mostrado que esse comportamento pode aumentar o risco de diabetes, doenças cardíacas e outras encrencas.

“Algumas dietas são como remédios. Se prescritas para as pessoas certas, oferecem ótimos resultados. Para outras, serão prejudiciais”, ressalta o gastroenterologista Peter Gibson, professor da Universidade Monash, na Austrália.

Fonte: Saúde Abril