Sebastião Pereira do Nascimento*
Apenas durante o período da ditadura militar no Brasil, as questões ambientais foram tão atacadas quanto nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, que, enquanto a população lutava contra a pandemia, Bolsonaro em conluio com seus comparsas, por exemplo, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, faziam de forma mais ardilosa e corrupta possível o desmonte da política ambiental.
Na calada da noite, esse magote de sorrateiros passavam suas “boiadas”, quebrando regras e flexibilizando normas ambientais, fazendo o desmonte dos órgãos de controle do meio ambiente, substituição de profissionais da área por pessoas desqualificadas (inclusive nomeando empresários em áreas de interesses de seus empreendimentos), revisão de dispositivos legais, afrouxamento na aplicação de multas, edição de normativas que dificultavam a investigação das infrações ambientais, enfraquecimento dos programas de monitoramento ambiental e das regras de licenciamento, concessão para grilagem de terra e mineração nas áreas indígenas, sabotagem de dados provenientes de instituições científicas brasileiras, dentre outros horrores.
Para piorar, o ex-governo não media esforços para reduzir o orçamento destinado à proteção do meio ambiente, quando, inclusive, o Fundo Amazônia — programa criado em 2008 para financiar projetos de redução do desmatamento e monitoramento ambiental —, também foi suspenso a partir do início de 2019, em função da irresponsabilidade do então governo brasileiro que extinguiu os comitês de base de controle do fundo financeiro, além de criar inconvenientes conflitos diplomáticos com os países apoiadores do programa.
Todas essas manobras, resultaram no crescente desmatamento da Amazônia, onde, conforme os dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), durante os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro, foram marcados por sucessivas altas no desmatamento da região, com a taxa de desflorestamento saltando de 7,536 mil km², em 2018 para 10,129 mil km² em 2019; 10,851 mil km² em 2020; 13,038 mil km² em 2021 e uma pequena queda (11.568 mil km²) em 2022, talvez influenciada pela pandemia. Portanto, nos quatro anos de governo Bolsonaro, 45.586 km² de florestas foram destruídas.
Diante dessa questão, agora com o novo governo de Luís Inácio Lula da Silva, apesar das laudáveis propostas de mudança, poucos avanços na tentativa de reconstruir a política ambiental tem dado resultados, isso, principalmente em função dos embates contraditórios do parlamento brasileiro. Onde há uma perigosa organização, remanescente do governo anterior, que sem escrúpulo age com interesses da parte mais espúria da sociedade (latifundiários, grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais, empresas predatórias), a qual tem interesse apenas no lucro fácil, sem ofertar nenhuma contrapartida para a população.
Nessa direção, o parlamento vem legislando como se no Brasil fosse um sistema parlamentarista, o qual a direção das políticas públicas é atribuída a um primeiro-ministro, escolhido pelos congressistas, inclusive se submetendo às interferências na composição e nas atribuições dos ministérios, como ficou claro durante o processo de votação da Medida Provisória (aprovada pela Câmara) que reorganiza os ministérios do governo Lula (ao todo são 31 ministérios e seis órgãos com status de ministérios). Por outro lado, ainda que o Congresso tenha a legitimidade de votar sobre a admissibilidade das MPs, e, eventualmente, fazer alterações em seu conteúdo, no entanto, o que observamos foram pautas deliberadamente reacionárias, lideradas pelo presidente da Câmara e pelo relator da MP, no sentido de esvaziar as atribuições dos ministérios, principalmente do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério dos Povos Indígenas.
Neste cenário ruidoso, a impressão que fica é que nenhum deputado (estadual e federal) ou senador fala, ou legisla em nome da população. Cada político defende sua convicção e se fortalece em blocos ou bancadas na busca de seus interesses individuais que se sobreponham aos interesses coletivos da sociedade.
Mais uma vez, isso ficou bem evidente nos últimos dias, quando o presidente Lula, acuado com pautas de interesse do governo, abriu mão de questões importantes do meio ambiente e dos direitos indígenas, como forma de negociação. Um retrocesso que deve custar caro a sua política ambiental. Portanto, Lula tem que assumir seu papel de presidente do Brasil, pois é ele que foi eleito pela maioria do povo brasileiro, e deve, sim, negociar com parlamento, mas de forma equilibrada, e sem decaimento, no sentido de cumprir seu plano de governo, sobretudo quanto as questões ambientais, convalidadas pela população inteligente do Brasil e pelo mundo.
Outra demonstração dessas vicissitudes, foi a acintosa maneira como a Câmara dos deputados aprovou o projeto que trata do marco temporal, que deprecia os direitos dos povos indígenas e restringe a demarcação de seus territórios tradicionais àqueles já tradicionalmente ocupados por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Esse marco temporal, abre também espaços para mineração ilegal, o arrendamento das TIs, etc., sem consulta prévia às comunidades afetadas. Além disso, dificulta novas demarcações de terras indígenas e permite negar o usufruto exclusivo desses povos originais. Uma ofensa deliberada que vinha sendo praticada pelo governo de Jair Bolsonaro, que tenta tomar fôlego no Congresso — enquanto, anda tramitando no Supremo Tribunal Federal, o julgamento sobre esse marco temporal, o qual afeta quase 1 milhão de integrantes de comunidades indígenas no país. Em resumo, cabe ao julgamento da Corte, se a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, deve servir como data limite para a demarcação de comunidades ocupadas pelos povos tradicionais.
Noutro contexto, as entidades ligadas ao setor agropecuário defendem a aprovação do marco, pois, para eles (o que não verdade) o país adquirirá mais segurança jurídica e terá uma regra definida para resolver disputas na Justiça por terras tidas como próximas ou ocupadas por comunidades indígenas. Esses defensores do latifúndio têm bastante interesse no processo, pois ele pode representar maior parcela de terra para ser usada no plantio de lavouras e pastagens. Algo que vai ao encontro dos políticos de Roraima, que vêm obstinadamente apregoando que os latifundiários locais precisam de mais terra para produzir, uma ideia falsa e antiga que vem desde época do império cuja prática era oferecer a um proprietário uma vasta extensão de terra, como sinônimo de poder local.
No entanto, aqui o que Roraima, o que precisa mesmo é atingir um equilíbrio entre produção agrícola e conservação, identificando as áreas com maior aptidão para cada atividade, considerando ainda os critérios de minimização de custos para produção e o custo de oportunidade da terra a ser conservada. Isso representaria uma robusta economia, levando muitos proprietários rurais renunciar a lesiva monocultura, para ganhar com a produção sustentável e a conservação da natureza.
Uma excelente pauta que caberia nesse propósito — produção/conservação —, é a proposta da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, para criar a Floresta Nacional do Parima. Isso seria muito oportuno, visto que o estado de Roraima, com forte apelo à monocultura em grandes escala, tem ainda a fama de mau cuidador de seu meio ambiente. A área de preservação, que totalizaria 109.484 hectares, nos limites da TI Yanomami, poderia integrar ainda à Estação Ecológica de Maracá e ao Parque Nacional do Viruá, formando um corredor ecológico de suma importância para os ecossistemas regionais, sem esquecer também o uso múltiplo sustentável dos recursos naturais pela população envolvida.
Além disso, precisamos ir além do controle do desmatamento, pensando no aproveitamento de áreas com pastagens degradadas, que poderiam ser restauradas, com técnicas e manejo mais eficientes, gerando valiosos benefícios econômicos, além da conservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas — todos sabemos que, na melhor das hipóteses, a terra na mão de latifúndios não é garantia de conservação, pois para garantir a posse da terra ele precisa derrotá-la.
*Consultor ambiental, filósofo e escritor.
** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV