Uma breve análise da crônica policial dos últimos dias serve para traçar um resumo do exato perfil da realidade pela qual passa o Estado de Roraima nesses últimos anos. Por mais macabros que sejam os eventos criminosos, tais fatos não provocam mais nenhuma comoção pública nem inflama o discurso dos políticos para ao menos se mostrarem indignados.
Ao contrário, transparece a existência de um pacto de miopia social para exatamente ocultar ou parecer que nada está ocorrendo de grave. Aos fatos. No domingo, enquanto crimes bárbaros ocorriam na Capital e interior, policiais protagonizavam um faroeste caboclo em um supermercado frequentado principalmente por pessoas que moram na área central da cidade.
Há um significado muito simbólico nesse contexto, pois enquanto os criminosos sob o manto do crime organizado seguem agindo de forma brutal, as polícias mostram-se muito à vontade para aceitar a forma de atuar da bandidagem. E foi assim que mais um corpo foi encontrado na manhã de domingo no bairro 13 de Setembro, onde uma facção venezuelana age degolando e desovando o corpo enrolado em lona.
Coincidentemente, outro homem foi morto nas mesmas condições, na tarde de domingo, mas desta vez na região do Apiaú, no Município de Mucajai, também degolado e o corpo envolto em uma lona. Não se pode ignorar que aquela região também é uma área de atuação do garimpo ilegal e do tráfico de drogas, por abrigar pistas clandestinas e por ficar próxima às principais entradas para o garimpo ilegal na Terra Yanomami.
Em outra ponta, enquanto o corpo de uma criança Yanomami foi achado no rio, na sexta-feira passada, após um ataque a tiros que deixou pelo menos cinco indígenas feridos, na região do Parima, a Polícia Federal amanheceu na segunda-feira deflagrando mais uma operação que investiga um grupo criminoso e milionário que financia o garimpo ilegal na terra indígena.
Trata-se de uma rede criminosa que extraída ouro na Terra Yanomami e usava uma empresa de vendas de frutos do mar de fachada, em Boa Vista, que mantinha conexão com uma joalheria em São Paulo, esquema que movimentou cerca de R$50 milhões em joias. Tudo dentro do grande esquema milionário que lava dinheiro depois de usar a mão de obra de garimpeiros lascados e financiar a extração de ouro.
Nessas matérias policiais, acima relatadas, estão toda a estrutura e a origem da criminalidade: ação do crime organizado, inclusive associado a uma facção venezuelana, cujos criminosos se valem da imigração desordenada, atuam no garimpo ilegal, na venda de armas e no tráfico internacional, enquanto grupos poderosos financiam o garimpo e lavam dinheiro do ouro para enviar a riqueza para outros estados.
Resta ao povo de Roraima ficar com a pobreza, a criminalidade, a imigração desordenada, a destruição do meio ambiente e o genocídio Yanomami. Nesse ínterim, as autoridades agem como se nada de grave estivesse ocorrendo, inclusive sobra tempo suficiente para policiais usarem seu tempo livre para um faroeste caboclo no meio de um supermercado lotado, enquanto corpos degolados são jogados nos bairros centrais de Boa Vista e nos municípios do interior.
É o retrato do que se transformou o Estado de Roraima.
*Colunista