OPINIÃO

Fragmentos de sonhos: retalhos de uma vida inteira

Sebastião Pereira do Nascimento*

Os ditos sentenciosos, também chamados de expressões, máximas, adágios, aforismos, sentenças, locuções, dentre outros, são preceitos que fazem revelações convertidas em pensamentos que podem influenciar no cotidiano das pessoas, visto que refletem a própria condição humana. Tais expressões — que podem ser externadas numa pergunta breve, numa resposta sucinta, num trecho musical, num excerto de poesia, num dedo de prosa, num tantinho de palavras, etcétera — não são puramente retalhos de pensamentos que tratam de fazer argumentações ou indagações sem fim. Mas exprimem também traços da alma de seus autores que, de forma concisa, cuidam de revelar resquícios de sua natureza prática ou filosófica.

De forma pragmática, esses preceitos têm um fim em si mesmos, e não visam ter outra utilidade que não seja a de fazer indagações e reflexões, fazendo com que não só olhamos o mundo de maneira diferente, mas também podendo mudar a forma de como interagimos com ele. Assim, neste espaço, reunir alguns retalhos de pensamentos, que também posso chamar de fragmentos de sonhos, com intuito de expor uma ideia incompleta da minha visão de mundo, deixando aos leitores toda possibilidade de divergir, convergir e complementar o sentido de cada peça a partir de trabalhadas reflexões, pois acredito que seja delas — das reflexões — que se obtém a análise de si próprio e do mundo em que vivemos.

Diante dessas questões, a escritora portuguesa, Maria Agustina Bessa-Luís, falando sobre a natureza das coisas, diz que: “A essência das coisas não está na filosofia, nem na política, nem em qualquer função intelectual. Está na reciprocidade do inconsciente que não encadeia só o que é humano, mas até o que é apenas vegetal ou inerte.” Por exemplo, “…a essência da arte não pode ser política, nem sujeita social, nem ideia que faz época; nem mesmo aliada ao conceito progresso. É algo mais. É o próprio alento humano para lá da morte de todas as quimeras, da fadiga de todas as perguntas sem solução.”

Permanecendo em além-mar, o poeta português, Fernando Pessoa, quando se dedicou a mergulhar nas profundezas da alma humana, viu de perto o que seria seu mundo e, assim, o idealizou: “Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no universo… Por isso a minha aldeia é tão grande como outra qualquer, porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura.” — fragmentos do poema “Da Minha Aldeia”.

A escritora Cecília Meireles, se valendo de sua alma poética, faz seu depoimento: “Morro do que há no mundo: do que vi, do que ouvi. Morro do que vivi. Morro comigo, apenas com lembranças amadas, porém desesperadas. Morro cheia de assombro por não sentir em mim nem princípio, nem fim. Morro, e a circunferência fica, em redor, fechada. Dentro sou tudo e nada. Tentei, porém, nada fiz… muito da vida eu já quis… mas não quero mais…” [Agora] “…eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.”

Diante de tantas as incertezas, o filósofo e poeta Will Goya sintetiza o seu pensamento, enunciando: “Que os olhos sejam apaixonados de alegria, atrevidos de esperança e doces de perdão. Mas, quando não puderem enxergar a vida com amor, fechem os olhos e admirem a essência… [pois,] não julgar é outra forma, silenciosa, de fazer poesia.”

Diante da acareação entre a banalidade do mal e a leveza do bem, a filósofa alemã Hannah Arendt, faz o seguinte julgamento: “O mal nunca é radical. É apenas extremo e não possui profundidade e nem qualquer dimensão demoníaca. Ele pode deteriorar o mundo inteiro, precisamente porque se espalha como um fungo na superfície. Essa é sua banalidade. Apenas o bem pode ser radical.”

Para além do radicalismo, percebemos a leveza das coisas, quando o cartunista e jornalista Henrique de Souza Filho, o Henfil, se enche de sobriedade para dizer: “Se não houve frutos, valeu a beleza das flores; se não ouve flores, valeu a beleza das folhas; se não houve folhas, valeu a intenção da semente.”

A poeta Cora Coralina, tirando palavras de dentro da poesia, considera que o “poeta não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima, à autenticidade de um verso.” Em outro contexto, a poeta resume que “feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.” Portanto, “o que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.”

Diante da sua caminhada, Tête de Enxuí, vaqueiro nordestino de Ribeira de Pombal, Bahia, exprime de maneira singela uma coisa robusta: “Paixão é coisa que a gente deve ter. E quem não tiver paixão na vida, não é ninguém. Se não tiver nada disso, então, quer dizer que a pessoa não tá regulando, não consta no mundo. A pessoa tem que ter essa causa.”

A bióloga e militante política queniana, Wangari Maathai (prêmio nobel da paz), se manifesta ao mundo com um pujante recado, assim dizendo: “Os seres humanos passam tanto tempo acumulando, pisoteando, negando a outras pessoas. E, no entanto, quem são os que nos inspiram mesmo depois de mortos? Os que serviram aos outros, e não a si mesmos”.

Diante dos tantos segredos guardados nas entranhas humanas, o filósofo Bertrand Russell, considera que “uma vez que a sociedade esteja disposta a permitir, aos jovens, que existe um mistério no sexo, então, com essa noção, eles se tornarão libidinosos e indecentes… só existe uma maneira de evitar as libidinagens e as indecências, evitando o mistério…”

Contudo, a filósofa russa naturalizada alemã, Lou Salomé, decreta que “nem tudo precisa ser revelado. Todo mundo deve cultivar um jardim secreto.” Portanto, a filósofa completa: “Ouse tudo! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida lhe dará poucos presentes…”

Atento à flâmula da educação, o educador Paulo Freire fala que “mudar é difícil, mas é possível. Pois, não há vida sem correção, sem retificação. Na verdade, não estamos no mundo para simplesmente a ele nos adaptarmos, mas para transformá-lo; e se não é possível mudá-lo sem um certo sonho… devemos usar toda possibilidade que temos para não apenas falar de nossa utopia, mas praticá-la com coerência.”

Noutro contexto, o poeta Castro Alves, ao revelar através da poesia o sofrimento dos negros presos nos elos de uma só cadeia, diz assim das mulheres famintas que cambaleiam de fracas: “negras mulheres, suspendendo às tetas magras crianças, cuja bocas pretas regam o sangue das mães… outras moças, mas nuas e espantadas, no turbilhão de espectros arrastadas, em ânsia e mágoa vãs!” — fragmentos de “O Navio Negreiro”.

A filósofa Marilene Chauí, se reportando as exacerbadas vontades humanas, proclama seus recortes, dizendo: “O desejo é relação entre seres humanos carentes. Por isso amamos até à loucura e odiamos até a morte: nosso ser está em jogo em cada e em todos os afetos. Desejo é paixão…”

Vejamos toda paixão proferida pelo poeta Vinícius de Moraes, quando se refere a um amor efêmero: “…e assim quando mais tarde me procure, quem sabe a morte, angústia de quem vive, quem sabe a solidão, fim de quem ama… Eu possa lhe dizer do amor (que tive): que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.” — fragmentos de “Soneto de Fidelidade”.

Todos esses sentimentos também recaem sobre as circunstâncias perdidas reveladas pela escritora Rachel de Queiroz, quando ela trata das impermanências humanas: “A gente por onde anda cria amor e desamor, e vai deixando atrás de si aqueles pedaços no coração. Bem-querer ou ódio.”

Da margem do rio, o compositor Caetano Veloso canta e encanta, dizendo: “Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia. Tudo esbarra embriagado de seu lume, dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia, só vigia um ponto negro, o meu ciúme […] tanta gente canta, tanta gente cala. Tantas almas esticadas no curtume, sobre toda estrada, sobre toda sala paira, monstruosa, a sombra do ciúme.”  fragmentos de “O ciúme”.

Em face de um mundo tão volúvel, Rachel Valença — militante política durante os anos de chumbo no Brasil —, se referindo a resiliência da luta pela liberdade e o fato de permanecer com seus ideários, faz a seguinte exaltação: “não conseguimos mudar o mundo como sonhamos, mas, ele também não conseguiu mudar-nos. Cabe aqui uma comemoração…”.

Diante das condições de não poder mudar o mundo, precisamos agora ouvir o xamã e líder indígena Yanomami, Davi Kopenawa, quando assegura que “a terra ressecada ficará vazia e silenciosa. Os espíritos xapuri, que descem das montanhas para brincar na floresta em seus espelhos, fugirão para muito longe… seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los e fazê-los dançar para nos proteger… não serão capazes de espantar as fumaças de epidemias que nos devoram… não conseguirão mais conter os seres maléficos que transformarão a floresta num caos.”

*Filósofo, poeta e escritor