No início do ano, o Governo Federal sancionou a Lei 13.606/18, que permite o bloqueio de bens dos devedores inscritos em dívida ativa pela própria Fazenda Pública, sem a necessidade de ordem judicial ou de um processo de execução fiscal. A medida, no entanto, tem causado uma série de discussões entre juristas do país em relação à sua constitucionalidade.
Na prática, a lei prevê que, após o procedimento administrativo de cobrança e inscrição em dívida ativa, o devedor em débito com a União será notificado para efetuar o pagamento com juros, multas e demais encargos em até cinco dias. Caso não o faça, a Fazenda Pública poderá promover o bloqueio de bens junto ao Cartório de Registro de Imóveis ou Departamento Estadual de Trânsito (Detran), impedindo a venda até o pagamento da dívida.
Antes, para que isso acontecesse, era necessário que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ajuizasse uma Ação de Execução Fiscal e, nessa ação, o juiz determinasse a indisponibilidade de bens. “Com essa lei, isso não existe mais”, disse o presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil em Roraima (OAB/RR), Hamilton Feitosa. Para o advogado, a norma viola diversos princípios constitucionais, sendo o primeiro o direito de propriedade.
Ao decretar a indisponibilidade dos bens em questão, Feitosa contou que a União acaba, de forma indevida, com o direito do proprietário em usar, fruir e reivindicar a propriedade dos próprios bens em razão de uma cobrança que ainda se encontra no âmbito administrativo, sem qualquer intervenção judicial. A ação vai contra o artigo 5º da Constituição Federal, onde está previsto que ninguém será privado da liberdade ou dos bens sem o devido processo legal.
Num segundo plano, a lei viola o princípio da repartição de poderes, tendo em vista que somente um magistrado é autorizado a decretar a indisponibilidade de bens, seja qual for a natureza do crédito, além de afrontar o princípio da isonomia. “Numa relação de credor e devedor, o devedor está sendo tratado de uma forma desigual com essa nova sistemática”, explicou.
Diante da situação, a orientação é que os contribuintes que estejam em débitos e queiram proteger os bens de indisponibilidade procurem regularizar os pagamentos por meio de parcelamentos ou quitação total da dívida. Caso ele venha a ser atingido, a orientação é procurar o Poder Judiciário, uma vez que há fundamentos sólidos para embasar uma liminar de suspensão em favor do contribuinte.
CASO SP – Na última segunda-feira, 29, o juiz federal Paulo Cezar Duran, da 21ª Vara Cível de São Paulo, deferiu liminar para impedir que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) promovesse o bloqueio de bens de uma empresa sem autorização judicial. Para o juiz, o caso afronta os princípios da separação dos poderes ao introduzir o direito de um órgão de administração tributária do Poder Executivo tornar indisponíveis os bens de um contribuinte inadimplente. Além disso, segundo o juiz, a norma também afrontou o princípio da indelegabilidade de atribuições, o qual estabelece que, em regra, as atribuições de um órgão não poderão ser delegadas a outro. O caso ainda está em andamento.
OAB – A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ainda não tem um posicionamento oficial por estar em fase de análise da legislação, a fim de submeter o caso ao Conselho Federal. Caso o Conselho confirme a inconstitucionalidade, por meio de uma votação, o caso é levado ao Supremo Tribunal Federal (STF). (A.G.G)
Em Roraima, lei deve entrar em vigor a partir de março
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em Roraima informou que a vigência da Lei 13.606 é imediata na data de publicação, no caso, dia 10 de janeiro deste ano. Contudo, será necessária a regulamentação interna pelo Procurador Geral da Fazenda Nacional sobre o procedimento a ser seguido e a finalização da plataforma eletrônica, com previsão de ocorrer em meados de março.
A nova ferramenta será utilizada como um mecanismo de efetividade e eficiência da administração na recuperação dos créditos públicos e mecanismo de salvaguarda e proteção dos contribuintes que adquiram bens, como imóveis e veículos, tendo em vista a informação de indisponibilidade. A expectativa é que a lei impacte positivamente a sociedade em dois pontos: incremento na recuperação de créditos e preservação de terceiros de boa-fé.
O procurador chefe da PGFM/RR, Ranulfo de Melo, frisou que a possibilidade de bloqueio de bens atinge somente débitos inscritos em dívida ativa. Além disso, a perda da propriedade do bem para saldar a dívida continua dependendo de decisão judicial e aplicações financeiras não serão atingidas pela medida. Em todos os casos, o contribuinte poderá apresentar recurso administrativo pelo próprio site da PGFN, sendo desnecessária a exigência de advogado. (A.G.G)